23.2.04

Os dois maiores acontecimentos da história de Portugal

Na apresentação pública de uma obra de história de Portugal coordenada por José Hermano Saraiva, um jornalista perguntou ao ministro da cultura quais são os dois acontecimentos de maior relevância na história do país. A pergunta tem o seu quê de presente envenenado. Digo-o porque quando me relataram o episódio interiorizei o desafio como ele me tivesse sido dirigido. Confesso quem só ao fim de um par de minutos encontrei uma resposta.

Como responderia? Diria que os dois acontecimentos mais emblemáticos da história de Portugal foram a ascensão liberal do início do século XIX e a adesão às Comunidades Europeias em 1986. É fácil encontrar outros momentos que rivalizem com estes que escolhi: a fundação da nacionalidade, datas da epopeia dos descobrimentos, a restauração da independência, a implantação da república, ou a queda da ditadura em 1974.

Escolhi a revolução liberal pelo simbolismo transbordante. O país vivia então o dilema do absolutismo, numa tentativa de prolongar uma concepção de poder ultrapassada pelos acontecimentos e pela filosofia política dominante noutros países. Se Portugal se mantivesse arreigado ao absolutismo duas consequências negativas teriam deprimido ainda mais o país. Por um lado, um fosso civilizacional em relação ao resto da Europa. Lançando as sementes para colocar o país no limiar do terceiro-mundismo. Por outro lado, teria o condão de afundar a população portuguesa num clima de obscurantismo, negando as liberdades básicas que foram assim colocadas em cima da mesa pelos revoltosos liberais.

O segundo momento histórico foi a adesão às Comunidades Europeias. Sou sincero, o “amarrar” do destino do país à integração europeia foi o melhor legado que a actual geração de políticos pode dar. Não vou justificá-lo tanto numa óptica materialista, com os ganhos de bem-estar gerados pela afluência de fundos estruturais. Mais importante é a possibilidade dos erros governativos à escala nacional serem atenuados pelo facto de fazermos parte de um espaço mais abrangente.

Com a adesão do país às (então) Comunidades Europeias, um interessante paralelo se estabelece com os italianos. A principal motivação para aderirem às Comunidades Europeias consistia no reconhecimento de que é melhor ser governado a partir de Bruxelas (ou de qualquer outro local) do que a partir de Roma. Este princípio, com a necessária adaptação geográfica, decalca-se perfeitamente para a realidade portuguesa.

Hoje, ao darmos tanta importância ao que se passa na política doméstica, somos afunilados para um quadro mental erróneo. Acreditamos que as decisões vitais para o país passam pelo Terreiro do Paço. Mas a política doméstica encerra uma visão paroquial que só serve para alimentar o ego narcísico dos políticos nacionais, como esteio ao negócio estabelecido da comunicação social e para enganar o cidadão comum. Pensamos que o néon ilumina Lisboa, desconhecendo que os holofotes irradiam uma poderosa luz a partir de outros locais (Bruxelas, Berlim, Paris, Frankfurt, Londres, Nova Iorque – e todos, todos aqueles locais onde o mercado exibe o seu poder manietando a autonomia dos políticos).


Sem comentários: