2.3.04

Sobre a falsa modéstia

O futebolista Nuno Gomes estava a ser entrevistado na televisão. A certa altura, o entrevistador disparou a seguinte pergunta: “achas que és um homem bonito? Pelo menos tens a consciência que há muitas fãs que te consideram um homem bonito?” O atleta esboçou um ar de surpresa, de perturbação, talvez por não estar à espera de semelhante pergunta. Não é para menos. O entrevistador decidira resvalar para questões bem ao jeito das lamentáveis revistas cor-de-rosa que tanto gostam de se perder com estas minudências. A resposta, após alguns segundos de hesitação, saiu ao bom estilo do politicamente correcto.

Porque motivo se encontra enraizada, na maneira de ser da generalidade das pessoas, a queda para a falsa modéstia? Apenas me interessa reflectir sobre a atitude comum que é a das pessoas que têm certos atributos (profissionais, artísticos, humanos, etc.) aparecerem em público a negar que essas qualidades possam ser tão valorizadas quanto o são por outras pessoas. Porque a falsa modéstia é uma das maiores expressões de vaidade que pode existir.

Se possuímos certos dons acima da média, porque motivo não reconhecemos isso mesmo? Se alguém se olha no espelho e se sente especialmente belo, porque não se há-de sentir satisfeito consigo mesmo pela beleza que julga ser esplendorosa? Sem descair para excessos de narcisismo, ao bom estilo do “espelho meu, espelho meu, há alguém mais belo do que eu?”, é saudável admitirmos aquilo de bom que somos ou que possuímos, sobretudo quando questionados por outros nesse sentido. Fico perplexo com uma das orientações dominantes do contemporâneo politicamente correcto: é mais fácil virmos a público admitir as nossas fraquezas do que as nossas virtudes. Quiçá este seja um legado da matriz cristã, bem interiorizado no nosso subconsciente, que prega a humildade e a abnegação, o auto-compungimento, a negação do ser pleno que habita dentro de nós.

Negar a evidência, transmitindo a falsa aparência de que estamos apenas a ser modestos, para que outros que não têm os mesmos dons não fiquem atormentados, apenas serve para mentir. É uma mentira que esconde uma forma suprema de vaidade, aquela que exterioriza a necessidade de passar ao lado das virtudes que temos apenas para não ofender a maioria que não está empossada desses dons. Quando confrontado com a pergunta do entrevistador, o futebolista do Benfica poderia ter respondido discretamente com uma única palavra: sim. Alguém o podia acusar de alguma coisa, sobretudo quando estava a ser verdadeiro consigo mesmo?

O grande problema das falsas modéstias é que as pessoas julgam que não admitir os especiais dons que têm é meio caminho andado para não serem acusadas de vaidade. É bom separar as águas. Uma coisa é, de forma discreta, admitir as características que temos e que nos distinguem da média. Outra é pavonear a todo o tempo essas mesmas características, esfregando na cara de toda a gente a superioridade em relação ao cidadão comum. Neste caso, a vaidade é inflamada por traços de arrogância, levando aqui sim a um comportamento censurável.

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