26.7.04

Mulheres, Santana Lopes e governo: um caso mal resolvido?

Um pouco de aritmética: dezoito ministérios, apenas três ministras; trinta e oito secretarias de Estado, somente cinco secretárias de Estado. É óbvio que as feministas militantes têm que estar descontentes com o novo primeiro-ministro. Um pouco de decência levaria Santana Lopes a mostrar mais agradecimento pelo sexo feminino. Afinal, com o passado de D. Juan que arrasta, seria da mais elementar justiça que o primeiro-ministro distribuísse mais pastas por mulheres. Sem as mulheres que passaram pela sua “alçada” jamais teria tido a vida regalada que levou. Ou isso, ou o contrário: a de um acto marialva, bem ao jeito de quem usa as mulheres e as deita fora, como se tratassem de objectos descartáveis.

Eis mais uma peça que se adiciona ao interminável rol de provas de como este governo nasceu torto. Em bom rigor, as expectativas foram defraudadas. Com a personagem em questão, se há expectativas elas estão alinhadas por um diapasão muito pequeno. Mas não se pense que estou desgostoso pela escassa participação do sexo feminino no governo. Continuo a defender a ideia de que a “igualdade forçada” de sexos é uma simples manobra ilusória, uma tentativa para forjar a igualdade sem haver a preocupação de se saber se essa igualdade se justifica no plano racional.

Um exemplo concreto da estupidez das quotas que tentam garantir algum protagonismo às mulheres. Na estratégia de charme para cativar os deputados do Parlamento Europeu, José Barroso afirmou solenemente que quer ter oito mulheres no colégio de vinte e cinco comissários. Logo, Barroso quer impor uma quota de um terço destinada ao sexo feminino. Primeira observação: Barroso modernizou-se quando fez as malas e desembarcou em Bruxelas. Em Portugal, enquanto primeiro-ministro, nunca teve esta preocupação. Segunda observação: em termos de ousadia feminista, o sucessor de Durão ficou aquém de quem lhe deixou o poder nos braços. Outra vez a aritmética para o comprovar: Barroso quer 33% de mulheres na Comissão, Santana Lopes ficou-se por uns magros 16% (ministras mulheres) e 13% (mulheres secretárias de Estado).

Mas a observação mais importante está na arbitrariedade do número: porquê um terço e não apenas um quarto? Porque não ainda mais ambição e estabelecer, como demagogicamente o fez o governo de Zapatero em Espanha, o mesmo número de mulheres e homens? Ao querer mostrar estes sinais de modernidade, para agradar ao público feminista para quem a história das quotas é uma melodia que adoça os ouvidos, Barroso caiu numa armadilha.

Definir uma quota – qualquer que ela seja – que garanta um número mínimo de lugares políticos destinado às mulheres levanta um alçapão onde é difícil não cair. Há sempre uma pergunta que fica a pairar no ar: porque não se foi mais longe na quota atribuída às mulheres? Pior ainda: parte-se do princípio de que há mulheres suficientes, e com a necessária competência, para preencher a quota. O que nem sempre acontece. Com a cegueira das quotas dedicadas ao sexo feminino, resvala-se para uma absurda situação de discriminação de competências: veda-se o lugar a quem é mais competente (que, por um acaso da natureza, é homem), apenas pela circunstância de já haver homens a mais no preenchimento do lugar.

Por cá, a trapalhada na formação do governo foi tão grande que nem sequer houve tempo para a aritmética feminista. No rescaldo, fica a imagem de um governo enviesado em termos de género. Mais uma razão para cair em cima de Santana Lopes e de Portas. Absorvidos pelas pressões sem conta exercidas pelos aparelhos partidários, nem se deram conta do “exemplo de modernidade” que um outro português protagonizava na União Europeia.
 
Agora virão os profetas da desgraça alegar que até nesta matéria o actual governo constitui um retrocesso, uma perigosa “viragem à direita”. É só esperar para ver.

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