11.1.05

Um atentado ao feminismo militante, vindo de dentro

Para as feministas militantes, mais uma deliciosa provocação.

Contexto: uma reportagem sobre as transformações recentes na sociedade argelina. Os avanços registados, no sentido da forçosa ocidentalização, chancela de um devir que se encontra com os caminhos do progresso. Entre os vários aspectos que sinalizam a lenta marcha do progresso, às mulheres já é reservado um papel condigno. Tanto que, no entender de uma representante do sexo feminino a quem foi dada a palavra, esta igualdade é nefasta para as mulheres!

Cá está como a igualdade entre sexos é um anátema. Vale a pena reparar na argumentação da realista argelina. Ela confessou que a partir do momento em que os estigmas da desigualdade de sexos foram sendo banidos, os homens interiorizaram um comportamento igualitário que coincidiu com a falta de respeito pelas mulheres. Estranha contradição: será que antes, nas trevas da vergonhosa desigualdade que campeia nas sociedades islâmicas, o homem respeitava a mulher? Como entender a confissão desgostosa da senhora, descontente com a falta de respeito pelas mulheres que grassa nos últimos tempos?

A imagem traz perplexidade. Vou esquecer o que está para trás (o papel menor reservado às mulheres nos países árabes). Olho apenas para o diagnóstico que emerge das palavras revoltadas daquela argelina. A ideia é cristalina: agora que os homens foram habituados a dedicar o mesmo tratamento às mulheres, acabaram as deferências. A avenida da igualdade foi o nutriente para os homens dedicarem às mulheres o mesmo tratamento abrutalhado a que, nas relações recíprocas, se habituaram. Nos tempos da vetusta desigualdade havia algum respeito pela diferença que viam corporizada nas pessoas do sexo feminino.

Aqui uma interrogação assoma à superfície: será que existe uma relação inversa entre igualdade de sexos e respeito pela mulher? Vou ignorar o contexto muito particular das sociedades árabes. Passando por cima deste aspecto, chegar à conclusão de que ou se tem uma coisa (igualdade dos sexos) ou se tem a outra (respeito pela mulher como alguém que é diferente do homem) pode invalidar muitas das reivindicações das militantes da causa feminista. Se elas querem igualdade, mas ao mesmo tempo querem conservar as convenções sociais que passam pela consideração masculina, há aqui uma contradição insanável. Ou uma coisa ou a outra.

A ambiguidade de algumas feministas ocupa um lugar visível. Querem estar num plano de absoluta igualdade com os homens. Mas querem, ao mesmo tempo, que os homens as tratem com salamaleques que estão ausentes do relacionamento quotidiano entre homens. Elas deviam saber que, para os homens, estas deferências são um sinal de respeito pelo sexo oposto. E que, de forma surda, prolongam um tratamento de diferenciação que vem de tempos imemoriais. Como se fosse o sinal identitário de uma diferença que existe, por mais que lhes custe reconhecer.

Não vale a pena atirar mais lenha para a fogueira dessa coisa inútil que é a “guerra dos sexos”. Um pormenor da natureza, ou os descaminhos da genética, fazem com que sejamos a imagem da diferença dos sexos. Que não exista qualquer pudor em admitir que homens e mulheres encerram em si diferenças que saltam à vista. Seria meio caminho andado para acabar com os traumas do passado. Achar que a solução passa pelo estigma invertido da discriminação positiva, como se fosse imperioso recuperar o tempo perdido no passado dando agora privilégios às mulheres, é um dos dogmas do politicamente correcto contemporâneo. Uma simples fachada, sem resolver os problemas que hão-de continuar a existir enquanto se persistir em ver na diferença um sinónimo de desigualdade.

Relembro as palavras da senhora argelina. E fico sem perceber se ela estava do lado das mulheres realistas que se recusam a confundir diferença com desigualdade, ou se é um espécime das fanáticas feministas que nunca estão satisfeitas com nada. No caso, outrora insatisfeita com a desigualdade que asfixiava o sexo feminino, agora insatisfeita com as consequências da igualdade – o respeito que se ausentou para outras paragens. As mulheres, esse bicho eternamente insatisfeito!

Sem comentários: