11.7.05

Ainda os atentados em Londres: a caminho da demissão das liberdades?

No rescaldo da barbárie em Londres, a emoção fala mais alto. Reclama-se um reforço da segurança, para evitar a repetição do terrorismo que espalha a morte de forma indiscriminada. Como se fosse possível combater um inimigo que não se mostra, caçador furtivo entre nós. Não me interessa a discussão de especialistas que se entretêm a gizar cenários mil para afugentar atentados terroristas. O que me interessa é saber se a ameaça do terror chega para nos demitirmos das liberdades individuais.

Soube-se que o ministro britânico no interior vai propor aos seus colegas europeus um controlo apertado sobre as comunicações telefónicas e por correio electrónico. Quer colocar a Europa sob escuta, arquivando (entre seis a doze meses) todos os telefonemas e mensagens de e-mail que se façam na Europa. Com o objectivo de interceptar mensagens que possam conter, em linguagem aberta ou cifrada, indícios que levem a descobrir estratégias terroristas.

Os que não têm nada a temer não se indispõem com a proposta. Como quem não deve não teme, e como a prioridade é garantir as condições para a não repetição de covardes ataques terroristas, nada obsta a que se faça avançar a medida securitária. Não vejo as coisas dessa forma. Temo que a possibilidade de nos colocar sob escuta seja um passo intolerável que espezinha as liberdades individuais. Se há algo que nos separa dos fundamentalistas árabes, algo que os puristas da civilização ocidental reclamam para si como factor de diferenciação, é o respeito pelas liberdades individuais. Avançar neste sentido significa destruir um elemento valioso do nosso acervo civilizacional, significa um retrocesso. Capitulamos perante a ameaça terrorista.

Há que ter a honestidade intelectual de olhar para o outro lado e interrogar: e na ausência destas medidas extremas, o que nos resta? Não ficamos expostos aos métodos hediondos dos arautos do terror, que aos poucos vão definhando outro bem valioso que é a segurança das vidas e bens? Concedo, há algo de afirmativo na resposta à questão. Como o terrorismo se serve de métodos ao mesmo tempo rudimentares e requintados (por escaparem à tutela dos serviços secretos), e como não há possibilidade de diálogo com os fautores do terrorismo (por mais que Soares e companhia venham sugerir o contrário), pela frente surge um beco sem saída. O que fazer? Continuar como até agora, e deixar o terreno livre para a actuação dos grupos que espalham o terror? Ou aumentar a segurança, nem que isso implique reduzir as liberdades individuais?

Um dilema de difícil resolução. Há muitas pessoas que consideram que este terrorismo é a modalidade contemporânea de guerra. E como estamos em guerra, a excepcionalidade admite soluções que fogem aos cânones. Para situações excepcionais, soluções excepcionais: a restrição das liberdades será o preço a pagar pela segurança. Os que defendem esta forma de actuar dirão que a conjuntura aconselha a dar prioridade à segurança sobre a inviolabilidade das liberdades.

Há quem discorde do método, por não ser consensual o diagnóstico. Tudo passa pelo elenco das prioridades. Mesmo que admita que a segurança está seriamente ameaçada, não acredito que seja motivo suficiente para atalhar caminho sobre as liberdades individuais. Como o disse antes, porque então estaremos a fazer o jogo daqueles que queremos combater. Deixamos de nos distinguir deles, embora reconheça que exista uma ampla diferença de grau nos atropelos às liberdades – os fundamentalistas desvalorizam a vida humana, por cá “apenas” iremos limitando as liberdades individuais. E nada garante que a restrição das liberdades traga eficácia: nada garante que o dia-a-dia securitário que atropela as liberdades consiga amparar a segurança, varrer do mapa as ameaças de terror que pendem sobre nós.

Interrogo-me se o cenário de terror que não tem lugar nem tempo para atacar não é idílico para os governantes dos países ocidentais que necessitam de vincar a sua autoridade. Nada melhor que um “estado de sítio” para exercer o poder sem ser contrariado. O Estado de direito transfigura-se ao ser desafiado pela ameaça de terror. No afã de derrotar o terrorismo, não estará o Estado de direito a desvirtuar-se, num atropelo consciente das liberdades individuais? E os que aceitam a limitação das suas liberdades, néscios por acreditarem que essa é uma exigência do estado de sítio semeado no mundo?

2 comentários:

Anónimo disse...

E o que fazer então?
Sabemos o que provocou esta subida do terrorismo, mas é tarde para voltar atrás... quanto muito castigar "os Bush's" nas eleições (nem isso foi feito).
Não sei se este controlo dos telefonemas e emails vai ajudar alguma coisa e até admito o risco que referes, mas o que fazer? Convencê-los pelas palavras de que este não é o caminho? Mandar-lhes uns mísseis lá para a terra deles? Ficar quieto e "estar atento" (seja lá o que isso for)? A verdade é que estamos perante um problema muito sério e devemos fazer algo extraordinário. Reconheço que é nestas circunstâncias que muitas asneiras são legitimadas, mas prefiro uma má decisão do que uma indecisão.

Ponte Vasco da Gama

PVM disse...

Ponte Vasco da Gama:
Não concordo com métodos bélicos para varrer do mapa os radicais que semeiam a violência e matam inocentes. É a táctica do “olho por olho, dente por dente” – com a diferença que os fortes têm a vantagem dos meios que fazem as campanhas militares parecerem um jogo de Playstation jogado por indefectíveis da consola de jogos. (Esta parte também serve de resposta ao comentário do anónimo que comentou o meu texto de sexta-feira.)
Não consigo concordar quando concluis que uma má decisão é melhor do que a indecisão. Se o assunto for a vigilância de todos nós, prefiro a inacção. Pelo menos salvaguardam-se as liberdades, mantém-se algo que herdámos dos antepassados. E não parecemos estar à altura de passar o legado para as gerações que vêm atrás de nós.
Eu e tu nada temos a recear: estamos à vontade, não andamos em actividades terroristas, não conspiramos contra a segurança nacional, nem estamos nos meandros de negócios ilícitos. Não é aqui que o velho “quem não deve não teme” se aplica. Simplesmente receio que um burocrata com tendência psicopatas, ou apenas com apetência para ser voyeur, se divirta com um telefonema inocente ou um comum e-mail mais apimentado que fiz e ficou armazenado à disposição do grande big brother que, agora assim, estará de olho em nós.
Dispenso o paternalismo da solução de vigilância apertada como garantia de segurança. Prefiro arriscar a viver na angústia, sem saber se ao dobrar da esquina está uma bomba assassina em nome de Alá.

Paulo Vila Maior