13.7.05

Baile de debutantes

Às claras (ou por trás dos cortinados do glamour social). O que deve passar para o exterior, receptáculo de sinais de convivência social que convém perpetuar (ou o bas-fond detrás das regras de etiqueta).

Adolescentes empertigadas excitam-se com os candelabros da ribalta social. Emproadas, trajam os seus vestidos de gala na noite de “apresentação à sociedade”. Festança da grande, progenitores garbosos – pois que mais do que dar a conhecer a descendente aos seus pares, é ensejo de se fazerem mostrar pela enésima vez. Um ritual partilhado. De reafirmação de pertença para os pais que deixam escapar uma lágrima furtiva, embevecidos pela continuação da prole e pela manutenção do estatuto. E ritual iniciático, como se fosse preciso passar pelo crivo da aprovação social de um universo que se auto-promove reciprocamente.

(Depois da festa onde se promovem egos, as meninas despem as lantejoulas e, proletária calça de ganga coçada, desaguam nas discotecas onde as pastilhas de droga sintética correm de mão em mão, atreladas a garrafas de água vendidas a preço de ouro. Olhinhos de sedução a rapazes mais velhos, que se aproveitam, sabichões, da ingenuidade das noviças que acabaram de ser presenteadas à sociedade. Ilusão: da virgindade só restará uma vaga lembrança.)

Elas já foram ensinadas a andar de nariz no ar, satélite orientado para as câmaras fotográficas dos profissionais das revistas cor-de-rosa. Em busca de uma fotografia que depois, com os bons serviços do pai – e com as cunhas que abrem portas, porque os favores do passado são sempre para cobrar algures no futuro –, há-de surgir num canto recôndito das publicações que enxameiam os escaparates. É o zénite, para umas. O ponto de partida para uma longa carreira de vazio espampanante, para as que desbravarem o caminho do sucesso. Há muito de “nobiliárquico”, e o seu quê de hereditário. As linhagens são meio caminho andado para as descendências dos nomes cotados na praça social abrirem as portas da visibilidade social. Outros têm que palmilhar um trajecto de sacrifício para rivalizar no protagonismo.

(Nas escolas, estas meninas arrastam a sua ignorância genética. Penam para passar de ano. O sucesso não é imagem do mérito – que não têm. Também aí os nomes contam muito. Nos finos colégios pagos a peso de ouro, os professores são instruídos no regime do facilitismo. O estigma das linhagens faz o resto: substitui-se ao esforço que os outros, sem fama cultivada por um passado de fulgor social, têm que mostrar. Depois entram nas universidades, para engrossar as estatísticas do insucesso.)

Os bailes de debutantes são uma bolorenta homenagem aos costumes de antanho. Síntese de um mundo faz-de-conta que enleva uma turba que dele não faz parte, mas que tanto gostaria de por lá se peneirar. Uma imagem desfocada, batida pelo néon dos holofotes concentrados no evento. Um regresso ao fausto de tempos idos, fortunas gastas em vestimentas de ocasião que se consomem no instante do baile que passa. Uma representação da pertença social, marca distintiva de uma casta exclusiva a que só chegam os privilegiados. Dizem-me que o tempo mudou as coisas. Que também aqui o dinheiro faz milagres. Abrindo as portas a plebeus que saltam para a ribalta à custa do poder dos cifrões que surgem do nada. Os bailes de debutantes democratizam-se, melhor dizendo, banalizam-se pelo capitalismo que subverte os usos sociais de castas seleccionadas. Agora, uma vindima medíocre que vulgariza a selecção de debutantes expostas aos olhos de meio mundo.

(Estas meninas crescem. Depois dos devaneios adolescentes, mais atreitas aos pecadilhos que censuram nas outras, casam-se – com um rapaz de “boas famílias”, para a casta não envilecer. Eles e elas acomodam-se a uma relação mecânica, fingida. Mantêm os seus amantes e um casamento de faz-de-conta. E não se coíbem de sentenciar sobre usos e costumes, mas sempre usos e costumes alheios. É mais fácil varrer o lixo da casa dos outros do que limpar a casa própria de cima a baixo. E julgam-se a consciência moral de todos nós.)

1 comentário:

Anónimo disse...

Gosto ainda mais de ler os teus artigos quando falas da vida, mundana ou não, nas suas vertentes mais "primárias".
A exposição social forçada, fruto da procura desenfreada da celebridade é sinónimo de fraqueza e limitação.
E como dos fracos não reza a história, bem precisam eles de uma fotografia para serem lembrados.


Um abraço

Carter