29.7.05

A escassez da água mergulhada em paradoxos

A factura de um Inverno atípico, na escassez de chuva. As terras ressequidas sorvem todas as gotículas de água, venham elas da episódica chuva ou da humidade que se forma no solo. A aridez tomou conta da paisagem, colorindo-a de tristeza. Os elementos não têm sido generosos – para a flora, para a agricultura, para os animais, para a economia, para o Homem.

À medida que a água das albufeiras vai descendo para níveis preocupantes, começam a surgir os alertas para a míngua de água. Fazem-se os discursos pedagógicos da poupança de água. Somos martelados com as campanhas que nos tratam como meninos em bancos de escola, ensinando o que devemos fazer e o que temos que evitar para poupar água. Quando a solução podia ser mais fácil, sem os laivos de paternalismo que os detentores da superioridade intelectual sempre gostam de exibir. Da solução falarei no final.

Estamos na antecâmara do alarmismo social. É verdade que a água é um bem escasso. E os cientistas advertem que a degradação do meio ambiente está trazer mais aridez para o planeta, com carência de água para o consumo humano e para a subsistência de actividades económicas. Entre nós, o educador-mor tem sido o presidente da câmara de Tavira, o inefável Macário Correia. Insiste que hoje temos que dar valor à água, para que amanhã ela não falte. Se não alterarmos os hábitos, poderão as autoridades impor a sua mão de ferro, cortando a torneira. Pelo caminho já anunciou que as piscinas – públicas, privadas e de habitações – deixam de receber água. Será um Verão tavirense com piscinas nuas. Os helicópteros que combatem incêndios perdem uma fonte de abastecimento…

Se a moda pega, e se outros diligentes autarcas se colocarem em bicos de pés como pedagogos da poupança da água, eis que surge o primeiro paradoxo. Então não é verdade que os municípios, de norte a sul, aderiram à moda das fontes que ornamentam as milhentas rotundas que empestam a geografia de cidades e vilas? Não são essas fontes sorvedouros de água? Contudo, não se vê que lhes tenham cortado a torneira, pois delas continua a jorrar água a rodos, na patética manifestação kitsch da grandeza da vila, quantas vezes numa competição absurda com o município vizinho – ao jeito “a minha fonte é mais grandiosa que a do vizinho”. Que legitimidade têm os autarcas para exigir aos munícipes novos hábitos de consumo de água, se eles se esqueceram de ordenar a secura das faraónicas fontes?

Segundo paradoxo: ambientalistas e alguns esquerdistas consumidos por preconceitos mil já vieram apontar o dedo aos campos de golfe que proliferam no Algarve. Estes campos exigem regas abundantes, crime ambiental em tempos de míngua de água. Se formos ingénuos ao ponto de nos alistarmos na retórica de verdes e seus aliados de ocasião, o aplauso solta-se, ligeiro, pela razão que lhes assiste. Deixemos cair a máscara da ingenuidade. Vamos mais longe nas motivações, tentemos encontrar o paradoxo que se esconde nesta exigência do corte de água aos campos de golfe.

Os preconceitos que dominam esta gente são visíveis à vista desarmada. Têm alergia a pessoas que exibem – para ou mal ou para o bem – abundantes sinais de riqueza. O golfe tem o estereótipo da fartança material, da ostentação social. Daqui confesso que o golfe não me atrai nem um pouco. Daí a encetar uma perseguição ao golfe, apenas porque está associado à abundância material de quem o pratica, é um lamentável preconceito que diz muito de quem o exibe. Sem esquecer o contra-senso em que os ambientalistas mergulham. Não devem os verdes defender os espaços verdes? Se advogam a paragem da rega dos campos de golfe, estão a condenar os vistosos tapetes de relva à secura que antecipa a sua morte. Nunca esperei ver defensores da causa ambientalista a defender soluções que levam à aridez!

Regresso à solução: não passa pela pedagogia paternalista que faz apelo à boa consciência do cidadão. Nestas coisas a consciência só existe quando o mal está feito e é irremediável. Em vez disso, a solução passa por aumentar bastante o preço da água. Se é um bem escasso, e se é transaccionável, em tempos de carência que fazem soar as campânulas do alarme, suba-se – e muito – o seu preço. Este é o caminho lógico para levar as pessoas a novos hábitos de consumo, a terem mais cuidado com a água que utilizam.

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