5.10.05

Inveja por não ser polaco - porque inventaram o que seria o meu tiro ao alvo preferido

Há tempos soube que uma empresa polaca inventou o papel higiénico timbrado com caras de distintas figuras políticas locais. As novidades por terras polacas não cessam de surpreender. Ontem tomei conhecimento (via BdE II) que alguém veio para a rua com uma iniciativa que faria corar de vergonha os artistas mais empreendedores quando toca a medir parâmetros de imaginação: os polacos são convidados a entrar num site, a pegar em armas e disparar para um alvo onde está a cara daquele político que o armeiro de ocasião escolhe como odiozinho de estimação.

Rezam as notícias que a iniciativa é um sucesso. Pena que esteja a ser desvirtuada: alguns políticos encartados têm desaguado no local e armam-se de setas que são disparadas em direcção dos rivais. Compreendo que no mundo igualitário em que vivemos não seja de bom-tom vedar o acesso de figurões políticos a uma iniciativa que, afinal, deles desdenha. Passando por cima desta necessidade igualitária, os mentores da iniciativa deviam bloquear o acesso aos políticos. Ou então deviam-lhes fazer ver que se prestam a uma figura ridícula. Se hoje lá vão para destilar ódios e recalcamentos contra um rival que os derrotou, amanhã serão eles os visados pela fúria de um cidadão que os coloca no altar do desagrado.

Como temos um farto apetite para importar o que se faz lá fora, que bom seria se o exercício de relaxamento encontrasse um empreendedor local que o montasse. Acredito que seria um sucesso, a olhar para a taxa de abstenção que não deixa de aumentar a cada eleição que passa, a acreditar na insatisfação que alastra mesmo entre os que se resignam ao imperioso voto. Pode ser um lugar-comum, mas a classe política anda pelas ruas da amargura. O que se nota mais ainda em época de campanha eleitoral. O triste cenário atinge proporções épicas quando se aproximam as eleições autárquicas. Saltam da toca caciques locais, figuras impensáveis, actores das piores historietas que se pode imaginar.

Invejo os polacos. Se tivesse a oportunidade de me assear a papel higiénico com caras de políticos desconfiáveis, ou o ensejo de descomprimir do stress diário com uma besta arpoada de setas apontadas às caras cansativas dos políticos que povoam os ódios de estimação pessoais, conseguia rivalizar com os crentes de religiões várias que encontram nos seus credos a redenção interior. Aposto que me convertia em archeiro de excelência. E como são tantas as personagens que por aí andam em bicos de pés quando as câmaras da televisão fazem “on”, tantos os que merecem uma ferroada certeira, havia pano para mangas até me cansar deste delicioso desporto. Caras haveria que receberiam por mais que uma vez as setas do meu descontentamento. O catálogo de figurões merecedores do louvor tem tantas páginas que levaria muito tempo até esgotar o stock de setas.

Já que desfigurar cartazes que enxameiam as ruas em tempo de campanha eleitoral é crime com punição severa, devia existir alternativa. De vez em quando damos de caras com cartazes transfigurados, com as caras dos políticos enfeitadas com apêndices vários – desde barbichas de belzebu, a corninhos que ornamentam a testa do candidato, a pichagens ofensivas, de tudo um pouco. Manifestações de desprazer popular, boicote de adversários políticos que convivem mal com a democracia, ou simples brincadeiras de jovens inconsequentes, de tudo um pouco, decerto. Mas sempre pela calada da noite, sem que ninguém testemunhe a adulteração dos cartazes, não vá a delação funcionar como pretexto para a perseguição da justiça. O concurso de setas importado da Polónia resolvia esta salutar tendência para “delinquir”.

É caso para dizer: na Polónia andam a gozar com a cara dos políticos – é o papel higiénico que mostra as caras que servem para propósitos escatológicos, são essas e outras caras que servem para cidadãos insatisfeitos libertarem a fúria nos alvos que recebem prazenteiramente as setas disparadas. Andam a gozar com a cara dos políticos. Literalmente.

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