4.10.05

Proíbam-se os Porsches!

Sem ilusões: não consegui renegar o vício da luxúria automóvel. O pé direito mantém-se quente, a verve da adrenalina em chama ardente. O sonho persiste bem alto, apenas no firmamento do onírico: lutar com os cavalos excitantes de um Porsche, apanhar pontapés nas costas a cada pisadela a fundo no acelerador. Perdoe-se-me a futilidade – mas que as não tem, nem que escondidas debaixo de um lençol envergonhado, as futilidades?

Quando escrevia o texto de ontem sobre Vatanen, vieram à memória recordações de uma conversa com um colega de trabalho muito dado à defesa do ambiente. Sem saber como, o tema foi desaguar em automóveis. E, sem me lembrar como veio à baila, disse que tinha ficado fascinado com uma curta experiência ao volante de um Porsche. O que fui dizer! O ecologista marcou o terreno, com a moralidade dos que têm sempre a noção de estarem embebidos de certeza quando opinam.

O meu crime – e, supõe-se, o de todos os exibicionistas que se passeiam de Porsche: espezinhar um princípio linear da protecção do ambiente: aqueles carros gastam imenso combustível, logo contribuem para a poluição atmosférica em muito maior medida do que os democráticos veículos utilitários. O meu colega não o disse, apenas o adivinhei nas entrelinhas: não viria grande mal ao mundo se Porsches e outros cavalos de sangue puro fossem proibidos. Pelo grande dano que provocam no meio ambiente, essa vaca sagrada.

Sou sensível ao ambientalismo. Desde que não descaia para excessos. Amiúde, os que se apregoam defensores do ambiente deixam-se invadir pela cegueira. Sejam os verdes-por-fora-vermelhos-por-dentro (o partido ecologista “os verdes”, aninhado no “democrático” PCP), sejam os ambientalistas profissionais que gravitam em torno da Quercus e outras associações de defesa do ambiente menos conhecidas; é raro observar um militante da causa ambientalista que seja moderado nas reivindicações. Dirão que a estratégia se justifica num mundo carente de sensibilidade ambiental: que só uma terapia de choque pode despertar da incultura ambiental tanta gente que por lá anda (ainda há pouco, a passear a cadela para o xixi da praxe, reparei em pensos higiénicos e tampões femininos a jazer no jardim, atirados sabe-se lá de que andar…).

Já várias vezes discordei do princípio – tão mourinho, tão em moda – de que todos os meios justificam os fins. Estamos pouco acima da idade da pedra quando se mede o pulso à educação ambiental. Contudo, os devotos ambientalistas exageram em diagnósticos – e mais tarde confessam-no –, construindo um mundo enegrecido, pronto a ser tragado pela ferocidade animalesca do Homem que fecha os olhos à preservação do meio ambiente. São os dedicados servidores de um exército já numeroso, que faz muito ruído. Um exército que usa as armas do fundamentalismo, arrastando-se para a falta de objectividade que compromete a sua causa, afasta pessoas com escassa sensibilidade ambiental, pessoas a quem fere a intrusão e as verdades feitas dos arautos do ambientalismo.

Foi assim que me senti quando escutei a sentença do colega amigo do ambiente. Incompreensível a existência de Porsches e outros carros desportivos, são muito gastadores de combustível. Não lhe perguntei, porque não gosto de entrar em arengas com sacerdotes de nenhum tipo de fundamentalismo; mas apetecia perguntar: a solução, decretar a proibição destes carros?

Terão razão os seguidores da causa ambiental quando acusam a vetusta indústria automóvel, hoje como há mais de cem anos movida a motores que persistem nos mesmos princípios de antanho. E têm razão quando incriminam a indústria automóvel por apostar pouco em investigação que procure motores movidos a energias alternativas aos combustíveis fósseis. Há tímidos esforços para inverter o ciclo: automóveis híbridos, que combinam o motor a combustão com um motor eléctrico que serve para poupar gasolina.

Por maior que seja a prioridade na salvaguarda do ambiente, atitudes como a deixada nas entrelinhas – a proibição de Porsches – são uma intolerável distorção de vontades individuais que se encontram num mercado que existe para este tipo de automóvel. Que uns confundam isto com lamentável inveja – o terrível estigma que pesa sobre os endinheirados, vindo de que o não é –, doença incurável que não interessa estudar. Mais preocupantes são os que se cegam pela fobia ambientalista e que não hesitam em silenciar as vontades individuais sempre que, do alto da sua sapiência incontestável, sentenciarem que elas lesam o sacrossanto ambiente.

1 comentário:

Anónimo disse...

Se um terço dos indianos, um quinto dos chineses e um sétimo dos africanos andassem de Porche a vida deixava de ser possível neste nosso planeta....e não é necessário chegar aos Porches ...basta apenas e só..... um frigorifico....
que fazer? deixá-los propositadamente como estão?
Para pensarmos e reflectirmos e talvez pensar que teremos de abdicar para dividir.
por isso dou-te razão:
Acabem-se com os Porches