23.11.05

Educação sexual fora das escolas, já (2)

O fio condutor com o texto de ontem: o conselho directivo de uma escola em Vila Nova de Gaia suspendeu duas alunas que cometeram o pecado de se beijar em público.

Os zelosos burocratas não perceberem o acto ridículo que ampliou algo que, decerto, queriam silenciar. Eis como os agentes educativos estão tão distantes da preparação adequada para serem os pedagogos da educação sexual. O que se passou em Gaia é (adivinho) a amostra representativa do país real. Expondo estes astutos pedagogos a um terrível paradoxo: o enorme hiato entre a predisposição para ensinar teoria e os seus comportamentos, tão longe da teoria disseminada.

Para ajudar à missa, comentadores de gabarito encontraram no episódio o ensejo para ensaiar a mais abjecta moralidade: “há coisas que se fazem em casa e não se fazem na rua, à frente de toda a gente. (...) Falar de descriminação (sic) sexual e de autoritarismo a propósito deste caso será, portanto, mais do que um exagero, um disparate”, José António Saraiva, Expresso de 18 de Novembro de 2005.

Esta é a prova da reprovável reacção desabrida ao beijo lânguido de duas estudantes que não tiveram vergonha da sua homossexualidade. Concordo: há coisas que se fazem em casa que não se fazem na rua. O decoro é o obstáculo à exportação de comportamentos. O que falta ao director do Expresso é admitir que não o incomoda um beijo lânguido entre dois potenciais juvenis consumidores do “Morangos com açúcar” se o beijo for trocado entre pessoas de sexo diferente. Se forem do mesmo sexo, entram na categoria “coisas que se fazem em casa e não se fazem na rua”.

É com estes passos em falso que a extrema-esquerda que faz o contra-ponto da moralidade vai engrossando a sua voz. Obstruídos pela canina fidelidade a antiquados quadros mentais, os moralistas do outro lado dão trunfos para o agigantamento dos arautos da nova moralidade. Em vez das aves de arribação andarem, em bicos de pés, a mostrar as avenidas da nova moralidade que rompe com tabus, como seria importante olhar para as desigualdades sem aproveitamentos políticos. Onde entra o bedelho da política, sempre interesseiro, ressente-se a causa alegadamente servida.

Os moralistas que se ofendem com um beijo ternurento de duas adolescentes ficam boquiabertos com a ousadia. Devem pensar que se trata de uma provocação, um atentado aos costumes. Ou receiam que pais zelosos venham erguer o dedo contra os olhos fechados, caso eles estivessem fechados, do conselho directivo da escola. Receiam que essas coisas se contagiem, trazendo para a homossexualidade mais adolescentes formatados para a heterossexualidade. Nas escolas, passeiam-se alguns pedagogos que punem o que a lei não proíbe. E se a lei não proíbe a homossexualidade, ela é permitida. Quando a lei não proíbe, é permitido. Os obtusos pedagogos que se candidatam a ensinar os segredos do sexo nos bancos da escola são os mesmos que se emproam na superioridade moral de censurar quando a lei não proíbe.

Este é o escol dos iluminados que plana acima da lei. Chamam a si a responsabilidade da educação sexual. Mesmo que, em termos de padrões sexuais, acicatem a desigualdade. Como quem acha que pode olhar de cima para baixo para a legalidade que só os outros, os ensinados, devem cumprir. É nas escolas que começa o indigno costume de ensinar valores que não acariciam quando chega a sua vez de os provar. É nos bancos da escola que se ensina o valor da igualdade, levando os ingénuos estudantes no engodo do que não existe – a igualdade. Mas são os pedagogos, quando exibem a sua indignação perante a afronta de um beijo entre duas homossexuais, que espezinham o valor cantado em loas.

Não me apetece confiar em que ostenta a moralidade bafienta, nos que pregam uma coisa e praticam outra bem diferente. No passo descompassado em que são apanhados, desnuda-se a incapacidade para ensinarem os segredos do sexo?

2 comentários:

Anónimo disse...

Há já muito tempo que não "postava" um comentário neste blog... Por isso, aqui vai!
Concordo que é inquietante deixar a educação sexual dos nossos filhos às cabeças pseudo-iluminadas de professores escolhidos sabe-se lá como. Serão sexólogos, psicólogos, ou simplesmente professores que não conseguiram ser colocados nas suas áreas de ensino? Não sei, mas gostaria de saber.
No entanto, não é só a atitude dos professores nas futuras aulas de educação sexual que ocupa os meus pensamentos. É a atitude dos professores e da escola no seu conjunto que me preocupa, e esta questão da educação e dos comportamentos sexuais é apenas, a meu ver, um dos exemplos de como ela se manifesta.
A escola serve hoje para despejar informação que tem de ser assimilada da forma como é transmitida em cada disciplina. Regularmente, o professor testa o aluno para ver se ele entendeu o que lhe transmitiu.
E o aluno? Onde é que está a abertura para se ouvir a opinião do aluno? Resposta: na esmagadora maioria dos casos, não está!
A escola deveria ser o local onde as crianças e adolescentes aprenderiam a pensar por si próprios. Para grande tristeza minha e de outros, a escola até hoje tem servido apenas para perpetuar formas de pensamento e relatos parciais do passado.
Recém-entrados que somos no século XXI, o que me parece mais inquietante é que se perpetue um sistema que já era obsoleto no nosso tempo, porque com isso, NÃO estamos a construir um bom amanhã para os nossos filhos.

CP, pelos caminhos de Portugal

PVM disse...

CP:
A frase chave: “A escola deveria ser o local onde as crianças e adolescentes aprenderiam a pensar por si próprios”. Sintetiza o abundante discurso que ensaiei sobre a recusa da educação sexual nas escolas. E, sobretudo – num desvio ao tema – porque palmilha o terreno que a escola (e a universidade) deve percorrer para não ficarmos para trás. Ensinar os alunos a pensar, em vez de fazer deles autómatos programáveis, mestres na ciclópica arte de empinar enciclopédias, demitindo-se da coisa mais bela que o Homem tem – o pensamento.
Este ano estou a experimentar, pela primeira vez, um método de ensino que se encaixa no modelo de Bolonha. Os alunos passam metade do tempo a pesquisar, para depois debater em sala de aula o sumo que retiram das leituras que lhes indico semana a semana. É uma experiência com duas turmas de alunos estrangeiros (do programa Erasmus). Uma agradável surpresa, um método que me trouxe de reencontro à recompensa de leccionar.
Paulo