15.12.05

À paulada: a terapêutica anti-stress!


Cheguei ao site da empresa “A vida é bela” depois de ouvir um anúncio na rádio. Prometem a extravagância da nossa vida, ou apenas momentos seleccionados que fogem da vida corriqueira. O cliente pode tentar-se por um voo de helicóptero, ou pela calmaria de um momento zen, pela adrenalina de tomar os comandos de um bólide de competição, ou oferecer à pessoa amada um fim-de-semana romântico e repousante (um “relax break” ou um “top break” – vale a pena navegar pelo site e ficar com muita água na boca…).

O expoente máximo é o “anti-stress break”, como documenta a sugestiva imagem. Em vez de descarregar as frustrações sedimentadas na pessoa querida, ou em discussões estéreis com um analfabeto que não se sabe comportar no trânsito da cidade, ou arrojar uma lata de cerveja contra a televisão quando o clube do coração perde estupidamente com a equipa mais fraca do campeonato; em vez de acordar com um nuvem de chumbo a pesar sobre a cabeça, ou em vez de desferir impropérios ao ministro de qualquer-coisa que aparece na televisão com a vaidade vã de quem é tão incompetente; em vez destas perturbações do espírito, de que o corpo pagará factura, antes descarregar a ira num automóvel que se põe a jeito.

Quem consultar o produto e ficar tentado a alinhar na aventura, há uma decepção guardada para o final: o preço a pagar pelo stress que fica, latejante, a macerar o cabo do martelo. Quase 1500 euros é demais para quem anda às voltas com o stress acumulado. Se os convivas da martelada desfizerem o carro num amontoado de chapa destinado a uma siderurgia e se regressarem a casa aliviados do peso do stress, o esforço (financeiro) terá compensado. Decerto é menos caro que a factura do psiquiatra que vai engordando com as sucessivas sessões de terapia que, quantas vezes, só servem para piorar a maleita.

Se o stress encontra antídoto na violência inócua, está encontrada a explicação para a violência institucionalizada. Da violência dos excluídos, empurrados para a marginalidade, à violência organizada de gangs que se servem de armas para finalmente chegarem à afluência material que a vida comezinha não permitia, à violência dos energúmenos das claques de futebol. Sem perder de vista a violência do Estado ladrão, que inventa impostos e tributos da mais variada espécie para esbulhar os proventos de quem é honesto.

Tenho que fazer amigos entre donos de sucatas. Porque não posso dar ao luxo de gastar quase 1500 euros para me livrar das más energias que cimentam o stress que, dizem os experts, habita em mim. Como habita em qualquer pessoa que viva no bulício das grandes urbes, mergulhada num universo profissional onde só vale a competitividade, onde todos querem trepar às costas do próximo para singrarem nos holofotes da fama.

Se espatifar carros sem utilidade é a receita milagrosa para trazer de volta a boa disposição quando são sombrias as nuvens que pesam, plúmbeas, sobre o céu que nos acode, fica aqui a proposta: nacionalizar as sucatas, para o zeloso Estado as colocar ao serviço dos pacientes afogueados pela doença do stress. Incluir a profilaxia no serviço nacional de saúde. E se me dizem que o serviço nacional de saúde está em tempo de vacas magras, que não há folga para gastos supérfluos com pesudo-maleitas que são apenas um produto da modernidade insensível que tomou conta de nós, lavro daqui a minha contra-proposta: utilizar as receitas da caça à multa ao automobilista.

Se é verdade que reduzir a uma amálgama indiferenciada de lata carros que vegetam em sucatas é o milagre para recuperar o bem-estar, e se o Estado existe, entre outras coisas de duvidoso gosto, para amparar o bem-estar da sociedade que nele se acolhe, faz todo o sentido que esta função seja depositada nos braços do serviço nacional de saúde. Se ela fosse terapêutica como se anuncia; se me garantisse a poupança de irritações estéreis com os automobilistas que se esquecem do pisca-pisca para mudanças de direcção; ou assegurasse que escuto a ladainha musical dos artistas pimba da nossa praça sem sentir a erupção alérgica auditiva que depressa polui os neurónios sãos – era capaz de propor a condecoração de quem inventou o exercício medicinal.

Não podendo dar corpo a esta fantasia, contentava-me com a comercialização de bonecos do execrável “Crazy Frog” que me desconcentra nas idas no ginásio. A música pestilenta e o animal, em trajes de desenho animado com ar demencial, tiram-me do sério. Estivessem estes bonecos à venda, por preço módico, levava para casa uma remessa. Para os estilhaçar com prazer sempre que as nuvens soturnas teimassem em esconder o céu resplandecente.

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