6.1.06

E se a extrema-direita fosse proibida?


Há um jogador de futebol italiano (Di Canio) que ergue o braço direito, fazendo a saudação fascista, quando marca um golo. Diz que é a forma de comunicar com uma claque do seu clube, composta por saudosistas de Mussolini. Tem sido perseguido pelas autoridades desportivas italianas e pela UEFA. A sua atitude é condenada por desrespeitar a sacrossanta democracia e os seus valores. Acusa-se Di Canio de incentivar a violência, o ódio racial, a intolerância – alguns dos traços distintivos do hediondo fascismo.

A ideologia fascista repugna-me. Como deploráveis são todos os extremismos que não olham a meios para atingirem (inconfessáveis) fins. Venham os extremismos de onde vierem, ainda que alguns mereçam a condescendência do pensamento dominante. Não consigo perceber a perseguição à extrema-direita. No caso italiano, a perseguição a Di Canio é ainda mais incompreensível, porque os partidos de extrema-direita (desde os moderados do Movimento Social Italiano aos ortodoxos do saudosismo fascista) são admitidos a eleições e entram no parlamento. Se as leis permitem a convivência da democracia com partidos que renegam a democracia, que autoridade tem a federação italiana de futebol – e a UEFA – para tanto banzé por causa de uma saudação fascista de um praticante ao festejar golos?

Ironia do destino, são as autoridades do futebol que não percebem a contradição em que mergulham. Num fascismo imperceptível, quando mantêm em vigor regulamentos anacrónicos que irradiam quem recorrer aos tribunais comuns. Os agentes desportivos que quiserem ir além da justiça desportiva, utilizando os tribunais comuns, são acusados do pecado maior que se pode cometer no futebol. Quando se acusa o futebol caseiro de ser um país à parte (ou um país dentro do país, com regalias que mais ninguém consegue ter), o privilégio existe noutras paragens. É alimentado pelas autoridades internacionais que regem o desporto. Vedar o acesso aos tribunais comuns, como se os tribunais desportivos fossem infalíveis, é um acto de deplorável fascismo. Como podem elas perseguir um atleta que ousa fazer a saudação fascista?

Custa-me observar a incongruência da democracia, um pouco por todo o lado, ao condenar a extrema-direita ao ostracismo. É a democracia na negação da sua essência. A democracia, que se reivindica tutora do valor da tolerância, a exibir intolerância em relação a uma facção que tem um passado deplorável. Uma antinomia que mancha a credibilidade da democracia, quando ela cerceia direitos de participação política a quem perfilha teses fascistas ou afins. Um paradoxo: a bitola não é a mesma quando se ajuízam outros extremismos, do comunismo à extrema-esquerda. Eles têm um passado de atropelos aos direitos humanos, como teve a extrema-direita. O tratamento continua a ser desigual. Basta ver o que se passa por cá: a Constituição proíbe a existência de partidos de cariz fascista, não proíbe o partido comunista nem outros grupelhos de extrema-esquerda, apesar do tenebroso passado dos inspiradores destes movimentos.

Não tenho problemas em conviver com partidos de extrema-direita. Em vez da diabolização que sobre eles cai, vejo-os como um salutar exercício pedagógico. Olho para eles, e para a ideologia que professam, como a antítese da organização social. As propriedades terapêuticas vão mais longe: memória viva que ensina às gerações mais novas o que é uma ideologia baseada na intolerância, na perseguição violenta, no silenciamento das vozes que ousam ser diferentes. O fascismo e o nazismo – como o comunismo e outras ideologias menores, mas que renascem encapotadas, como o trotskismo – são museus vivos edificantes. Dos caminhos que não devem ser percorridos pelas gerações vindouras. A democracia só será construtiva quando tolerar a convivência com a extrema-direita da mesma forma que recebe no seu seio as extremas-esquerdas.

Alguns dirão: o cadastro da extrema-direita é pior que as vergonhas das extremas-esquerdas. Percebo o esforço em graduar as atrocidades cometidas no passado, num ensaio para justificar a tolerância em relação às extremas-esquerdas. Dirão, ainda, que sobre o fascismo e o nazismo pesa a sordidez dos desvarios praticados durante a segunda guerra mundial (enquanto o comunismo aparece entre os triunfantes, entre os libertadores do jugo nazi-fascista).

Quem o faz passa uma esponja pela história, numa memória selectiva nada imparcial. A história não findou em 1945. Os atropelos do comunismo e das pérfidas ideias que inspiraram a extrema-esquerda já vinham de trás e prolongaram-se depois da guerra. Não tiveram a dimensão internacional da segunda guerra mundial. A louca deriva totalitarista, com a mácula de cemitérios cheios de pessoas que ousavam dissidir, não se apaga da história. Colocando no mesmo saco fascismo, nazismo, comunismo e outros totalitarismos avulsos.

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