24.1.06

A fábula do “gato constipado”


O Procurador-Geral da República está sob ataque cerrado. Movido pelos boys socialistas, que não lhe perdoam a suposta perseguição judicial a um dos seus no processo Casa Pia. Alguns falam de assassinato político: do rapazinho em causa e do anterior líder do partido, que terá caído em combate, incapaz de suportar o troar das baionetas da Procuradoria. Fica-lhes bem a solidariedade com um dos seus. Uma lição de solidariedade, um esteio da sua “ideologia”, tão mais necessária quando mergulhámos numa deriva individualista que nos afasta dos deveres solidários. Já não ficam bem no retrato ao misturarem política com justiça, passando lixívia num legado da revolução francesa (que tantas vezes invocam como fonte de inspiração): a separação de poderes.

Não interessam os meandros da investigação que incriminou o boy socialista. Tão pouco saber se houve perseguição política à maralha socialista. Suspeito que é a velha teoria da conspiração a respingar em voz alta. Uma forma de arregimentar fidelidades partidárias e trazer mais eleitorado para as franjas do PS. Ou não fôssemos atreitos a estar ao lado dos que são alvo de perseguições “ignóbeis”. Um derradeiro comentário: custa-me a acreditar que haja tanta incúria nos responsáveis pela investigação criminal. Andará a justiça pelas ruas da amargura, decerto. Se as acusações da escumalha socialista baterem certo, é a justiça que bateu fundo, bem fundo.

O que me interessa é a perseguição ad hominem a Souto de Moura. Vale tudo. Até troçar das características físicas do Procurador-Geral. Foi Eduardo Prado Coelho que tirou da cartola o cognome que delicia a horda socialista: Souto de Moura é o “gato constipado”. Não basta denunciar a inépcia do Procurador-Geral, a ousadia de “perseguir” um boy socialista. O Procurador-Geral devia saber que há políticos que estão acima de qualquer suspeita. Meter-se com a classe política é uma deriva intolerável da justiça. Para reforçar o ataque pessoal, depreciam-se os atributos físicos de Souto de Moura. É a machadada final. A imagem de uma personagem que junta a incompetência para o cargo com os risíveis atributos físicos. Como se as duas coisas andassem de mão dada.

Os mesmos que se ofenderam quando o patético presidente da juventude centrista teve a falta de inteligência de zombar da deficiência física de Sousa Franco, mostram sinais de memória curta e procedem da mesma forma quando chamam “gato constipado” a Souto de Moura. A coerência em todo o seu esplendor. O pensamento enviesado, que proíbe aos outros aquilo que eles fazem quando lhes convém. Quando o juízo devia ser uniforme. Tinham razão quando se indignaram com a canalhice do imberbe centrista. Deviam apelar à memória para não fazerem o mesmo quando a chinela lhes descaiu para a brejeirice de apoucar as características físicas de um adversário de estimação.

Se não bastasse a chacota sobre Souto de Moura, a coisa fica enigmática quando o cognome é dissecado. “Gato constipado”. O que há de mal num gato constipado, para além da maleita que afecta o bichano? Quando nos cruzamos na rua com um gato vadio que está constipado, acaso nos rimos dele? Ficamos a olhar para o gato constipado com ar de gozo, escarnecendo do remeloso animal que não pára de espirrar? Podem-me dizer que Prado Coelho tirou da sua fértil e impenetrável imaginação uma metáfora para apoucar Souto de Moura. Gato constipado, como podia ter sido mosca amestrada, furão rezingão, doninha venenosa. Uma metáfora tem a linguagem simbólica que vai além da estreiteza de uma interpretação literal. Ainda assim, não consigo olhar para Souto de Moura e ver um gato constipado. Poderei ver outras coisas, mas não um gato constipado.

E, já agora, Prado Coelho alguma vez se terá visto ao espelho para julgar a falta de atributos físicos alheios? Cá por mim, a vista não fica afectada pela poluição visual quando me cruzo na rua com gatos constipados. O mesmo não poderei dizer de figurinhas ridículas como a de Prado Coelho e certos socialistas que jamais se terão encarado de frente ao espelho para fustigarem Souto de Moura da forma tão abjecta.

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