25.1.06

Negativismo militante

Chegam-me aos ouvidos perplexidades alheias sobre o negativismo do que escrevo neste blog. Dizem que tenho sempre uma palavra de áspera crítica para tudo o que se mexa. Ao fazer um balanço dos temas tratados, reconheço que a desconstrução vence por goleada textos que enaltecem algo, que destacam um aspecto positivo da vida. Não posso negar que esta tendência avassaladora me inquieta. Reflexo de um estado de alma, de uma insatisfação que demora em desprender-se.

E, contudo, é irreprimível. Ainda não percebi se é por ser exigente comigo mesmo. Sinto-me no dever de estender a mesma bitola para o que me rodeia. Por vezes, com consequências desagradáveis: o descontentamento com os outros depressa motiva o descontentamento dos outros comigo. É uma sensação que dobra os meus sentidos, sem forças para a combater. Para onde quer que olhe, sempre uma palavra crítica, sempre a mesma insatisfação, sempre a percepção de que as coisas giram no sentido errado, como se fossem um relógio que teima em rodar os ponteiros da direita para a esquerda.

Ao jeito de peregrinação interior (roubando o título de um livro de Alçada Baptista), confesso que não me traz alento a postura crítica que exibo. Não é confortável esboçar a desconstrução do mundo tal como ele aparece diante dos meus olhos. Interiorizo o comportamento desconstrutivo como algo semelhante à desconfiança metódica perante qualquer credo: concluo que o caminho que escolhi esbarra numa parede impossível de escalar. Tal como se no fim da calçada estivesse um muro, tão alto que não deixa ver sequer o céu. De tal alto ser, insuperável. Resta o dilema. De não saber o que sucede quando esbarro no impenitente muro. Sabendo que o percurso da vida não admite retrocessos, chegar ao muro equivale ao torpor que se eterniza. Ou ao fim da linha, um definitivo ponto final que não contempla mudança de parágrafo.

Se há consolo na exegese da impiedosa crítica, é o falso refrigério de encontrar tema para escrever todos os dias da semana. Só um pretexto, porventura. Ou a ideia de que é mais fácil encontrar temas para destilar a veia crítica, porque na desordem harmoniosa que é o mundo os assuntos que dão lenitivo à desconstrução saltam da toca como férteis coelhos. Pode a veia desconstrutiva ser desagradável à leitura. Sobretudo de quem afina por um diapasão antagónico, para quem consegue encarar o mundo com um optimismo desarmante (ou simula a hercúlea tarefa).

Insisto: na desconstrução de algo há sempre um reduto construtivo. A menos que a persuasão da crítica esteja ausente, a tarefa de desconstruir tem o condão de indicar que o que existe está mal, carece de mudança. Eis como a desconstrução aplaina o caminho para o diferente do que está. Nessa característica, há um caminho de construção que se abre pela frente. A crítica militante não se limita a destruir apenas por destruir, como se os seus cultores se regozijassem com a imagem de um bulldozer que tudo espezinha, deixando terra queimada para trás.

Para quem se cansa de ler crítica atrás de crítica, a sensação de que este é um mundo onde não há merecimento de viver. Falsa ideia. O valor maior é a vida. Mesmo num sítio tão imperfeito. Haverá decerto alternativa ao mundo imperfeito que cativa as artes da desconstrução. Como se trata de insondável mistério, ainda por descobrir, o mundo melhor fica remetido para a gaveta das coisas que hão-de vir (mensagem de esperança…). Que não me seja pedida a receita milagrosa depois de rejeitar o que desconstruo. Humano e cravejado de imperfeições, confesso a minha incapacidade para descobrir o caminho alternativo. Entretanto, vou-me entretendo a denunciar as vergonhas que enxameiam o sítio fétido onde vivemos. Seremos desgraça de nós mesmos? Ou por nos resignarmos a viver, silenciosos, no lodaçal; ou por marcharmos contra a maré dominante sem encontrar resposta para dobrar o cabo das tormentas que incendeia o descontentamento. Não, apenas o que somos, na provocatória faceta de não gostarmos do que vai ao sabor do erro.

Quase sempre, apenas exercícios de retórica. Doutras vezes, esboços de respostas aos dilemas que se colocam. Sempre com a cautela de perceber que as respostas se abeiram de utopias – como utopias, irrealizáveis. Sempre, sempre, uma inquietação que milita em nome de uma tempestade cerebral que não cessa de disparar os seus trovões. Ao menos estou vivo!

2 comentários:

Anónimo disse...

O facto de escreveres esta crónica denota, por si só, uma capacidade extraordinária para te expores, o que revela, para quem te conhece, uma fantástica evolução. Estás a percorrer um caminho. Nós, os teus amigos, vamos "caminhando" contigo.
Obrigado pela partilha.
Ponte Vasco de Gama

Anónimo disse...

A desconstrução torna-se construtiva na medida que nos empurra para caminhos nunca antes percorridos:de construção por natureza.
Desconstruir para construir,morrer para nascer,cair para levantar,dormir apara acordar.
Ciclos eternos que transformam a vida em algo de extraordinário.
Tenho aprendido muito com as tuas críticas, mesmo quando não estou de acordo com elas.
Deves continuar o teu caminho, o muro parecer-te-á cada vez mais pequeno.

Um abraço
Carter