3.1.06

Os brindes da brigada de trânsito

Não há cinismo no título. Não se trata de parodiar a caça à multa que distingue os zelosos agentes da brigada de trânsito da GNR, estrada fora em busca dos prevaricadores que cometem essa falta pecaminosa do excesso de velocidade. Desta vez trata-se de elogiar a brigada de trânsito, por difícil que a tarefa possa parecer. Quando falo de brindes, é mesmo de brindes que me refiro. Brindes, prendas, presentes, como se queira chamar.

A noite de passagem de ano é problemática na estrada. A sinistralidade atinge picos quando um ano passa o testemunho ao ano que se sucede. As pessoas vêm das festas com álcool a mais no sangue. Os reflexos ressentem-se, a capacidade de discernimento diminui e o acidente espreita a cada curva. A noite de ano novo é trágica para muitos imprevidentes que se sentam ao volante com taxas de alcoolémia que fazem disparar o contador dos medidores da brigada de trânsito. Para alguns, o ano novo coincide com o fim das suas vidas.

Todos os anos, a brigada de trânsito põe em marcha campanhas de fiscalização do trânsito em épocas mais complicadas, quando o tráfego redobra de intensidade com as inúmeras deslocações de pessoas. A operação de natal e ano novo repete os alertas à consciência dos condutores. Multiplicam-se os slogans que tentam convocar a prudência ao volante, para que a sinistralidade rodoviária deixe de aumentar ano após ano. Desta vez a imaginação estava ao rubro quando a táctica para o ano novo foi congeminada. A brigada de trânsito criou as “brigadas cool”, com o objectivo de premiar os jovens condutores que acusassem 0,0 gramas de álcool por litro no sangue.

Primeira observação, em jeito de reparo: é de lamentar que a acção fosse direccionada para os jovens (até que idade? Será como os “jovens agricultores”, até aos 45 anos?) Numa noite de folia, como a do réveillon, são sobretudo os jovens que se entregam aos prazeres do divertimento, tantas vezes irmanado com a ingestão de doses generosas de álcool. Também há menos jovens que vão a festas de fim de ano e que cometem a imprudência de se sentarem ao volante quando nem sequer estão em condições de percorrer a pé e em linha recta um curto trajecto. A iniciativa peca por escassa: devia entregar prémios a todos os condutores que exibissem zero de alcoolémia, sem distinção de idade.

(Não me esqueço de uma conversa, já lá vão vinte anos, a que assisti num autocarro. Dois idosos reprovavam a diminuição da taxa máxima de álcool no sangue para condutores. Um deles contava que o cunhado, camionista TIR, bebia sempre uma garrafa de vinho tinto ao almoço. Antes de regressar à estrada. A criatura gabava-se que conduzia melhor depois de emborcar 7,5 decilitros de vinho. Houvesse dúvidas da ignorância popular, este seria um episódio esclarecedor.)

Para além do reparo, um forte aplauso à ideia da brigada de trânsito. Quem se porta bem deve ser premiado. Sem segundo sentido, funciona a lógica da cenoura e do burro. Se querem que vamos por um determinado sentido, os bons alunos devem ser recompensados quando fogem à tentação do desalinhamento. Talvez mais importante do que uma actuação punitiva, que engendra comportamentos persecutórios da polícia, é esta atitude pedagógica de conceder prémios a quem respeita as regras. Mais ainda quando se trata de comportamentos que põem em risco a vida de quem se excede na bebida e de inocentes que com eles se cruzam na estrada.

Não se ouviu palavra do agente que deu a notícia das “brigadas cool” acerca dos prémios outorgados. Seriam bonés da brigada, réplicas de crachás, algemas para os mais ousados, botas caneladas até aos joelhos, ou apenas um manual interno do sindicato dos agentes da GNR intitulado “mil e uma maneiras de tomar um pequeno-almoço reconfortante – incluindo um roteiro pelas aguardentes que aconchegam no bucho o pequeno-almoço”?

Apesar da omissão, não me canso de aplaudir a ideia. Pode ser que daqui para a frente outros organismos públicos se lembrem de adoptar a divisa: um prémio para os bons alunos. E veremos descontos nos impostos para quem os declara dentro do prazo sem esconder um cêntimo dos réditos; créditos utilizáveis em serviços públicos sempre que for declarado o valor real de compra de uma casa; descontos no imposto automóvel para os condutores que tiverem cadastro limpo de infracções graves ao código da estrada; etc.

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