9.1.06

Paradoxos do desenvolvimento: esperança de vida decrescente

As estatísticas dizem que a esperança de vida nos países ricos está a diminuir. Por causa dos hábitos de vida associados ao desenvolvimento, às sociedades onde o bem-estar é caudaloso. Sedentarismo, maus hábitos alimentares, poluição atmosférica que empesta o ar nas grandes cidades – onde cada vez mais gente vive – os artificialismos que enxameiam os alimentos que ingerimos. São os sintomas da doença do desenvolvimento, causando uma trajectória descendente na esperança de vida.

Quando se compraram países ricos e países pobres, a esperança de vida é um dos critérios que faz a diferença. Nos países pobres as pessoas não vão além dos quarenta anos de vida, em média. Nos países ricos o limiar ultrapassa os setenta. O fenómeno traz implicações com sinais diferentes. Nos países pobres, a indignidade de uma vida não ultrapassar pouco mais do que quarenta anos. Pessoas que se despedem da vida ainda com a vivacidade que, em países ricos, aquela idade anima. A exibição de uma injustiça que nenhuma força divina consegue corrigir. Nos países ricos a esperança de vida encontra-se nos antípodas, causando o envelhecimento da sociedade, pela extensão da duração média da vida e pela diminuição do número de nascimentos. A imagem de contrastes de que este mundo é feito: lado a lado, convive o excesso com o défice de vida.

Arriscando algum cinismo, a inversão da tendência da esperança média de vida nos países ricos tem predicados: pode corrigir o envelhecimento da sociedade, salvando a segurança social da falência. Se as pessoas passam a morrer mais cedo, o dilema da pirâmide demográfica invertida não se coloca com tanta intensidade. A taxa de natalidade continua a ser reduzida – outro espelho da sociedade moderna, porque ter filhos é uma opção dispendiosa, que ultrapassa as recompensas intangíveis de ver nascer e crescer um filho. A doença da civilização avançada começa a levar as pessoas para o reino dos mortos em idades mais precoces. A sociedade não envelhece tanto. Quem sabe, um balão de oxigénio para a vegetativa segurança social, a boa nova para os defensores do modelo social europeu.

São as mortes necessárias para o equilíbrio da sociedade nos países ricos. Um estímulo para os que continuam a acreditar na bondade de generosos esquemas de segurança social. É o desenvolvimento desenfreado, com as inovações que trazem até nós mais bem-estar, que nos leva mais cedo da vida. É interessante observar histórias de longevidade contadas desde remotos lugares perdidos no interior. Histórias de homens e mulheres que franqueiam a barreira dos cem anos, mostrando uma vitalidade invejável. Ouvir com atenção as palavras dos anciãos, que testemunham hábitos de vida que são hoje entendidos como meio caminho andado para uma sepultura prematura.

Os anciãos contam que nunca tiveram uma vida regrada: beberam e comeram sem conta e medida, e aposto que acaso fizessem análises sanguíneas o colesterol e outras maleitas não habitavam neles. A diferença está na origem dos alimentos digeridos anos a fio. Agricultura biológica no seu esplendor – ainda antes do marketing ter inventado a agricultura biológica hodierna que, ao que consta, muitas vezes tem pouco de biológica. Vinhos sem tratamentos artificiais, legumes cultivados na ausência de pesticidas, carnes vindas de animais que não eram alimentados com rações fabricadas em laboratórios que desvirtuam as reses. Uma vida ao natural, com uma ajuda suplementar: pessoas rijas, carnes curtidas pelas adversidades da vida, corpos massacrados pelas lides da agricultura, no sol a sol que é o anátema do sedentarismo que campeia nas cidades modernas.

O desenvolvimento e a falácia do bem-estar semearam a ideia (errada) de que o conforto de hoje é a prioridade. Curtas vistas que desvalorizam a factura a pagar mais tarde, com o desprendimento da vida em idades surpreendentemente jovens para a bitola a que os países ricos se acostumaram. É a doença do desenvolvimento, um tiro no pé que o Homem moderno não combate. A imagem de que hoje tudo se faz na voracidade do tempo. O tempo que parece escapar-se entre os dedos, porque assusta a ideia que ele passa a uma velocidade vertiginosa. Vivemos depressa, no receio de que a vida passe na janela ao lado. Quando despertamos, a percepção de que passámos depressa demais pela vida, que se despede cedo.

Sem comentários: