7.2.06

Poligamia encapotada?

No marasmo radiofónico descobri uma estação alternativa, com pouca publicidade, pouco palavreado dos animadores e boa música: a Rádio Universitária do Minho. Ontem, um anúncio publicitário ousado, mas ao mesmo tempo delicioso. Uma perfumaria lançou a sua promoção especial para o dia dos namorados. Por cada namorada um desconto de vinte por cento. E desfiava a ladainha, não se fosse dar o caso da audiência não saber os múltiplos de vinte por cento: o perfume oferecido à segunda namorada tem um desconto de quarenta por cento, para a terceira namorada vale um desconto de sessenta por cento, para a quarta namorada atinge-se os oitenta por cento. Quem tiver arcaboiço para cinco namoradas é premiado com um perfume gratuito para a derradeira consorte.

Primeiro comentário: a perturbação das feministas de serviço. O anúncio dirige-se a quem tenha namoradas. Pelos cânones da “normalidade”, os garbosos machos que desfraldam a bandeira da poligamia são o público-alvo. A promoção não se aplica a uma ninfomaníaca que se desdobre por mais do que um namorado? Resta saber se as funcionárias da Must Parfum estão autorizadas a conceder os descontos anunciados se lhes aparecer pela frente uma arrojada polígama que queria oferecer perfumes aos seus adorados namorados.

Logo agora que tanto se discute o respeito pelos valores religiosos por quem não professa um certo credo, este anúncio é o exemplo de tolerância que outros não conseguem praticar. A menos que as autoridades andem distraídas, ou que o clero não sintonize a Rádio Universitária do Minho para lançar a habitual sanha moralista, eis como passa incólume uma mensagem que apregoa algo que é censurado pelos costumes e pelas leis. A poligamia é crime. A promoção da perfumaria é um convite a que os polígamos militantes de Braga e arredores se revelem. Sem que haja ofensas tão graves que mereçam perseguição policial, encarceramento ou que sejam vistas como atitudes blasfemas que levam à excomunhão dos crentes que coincidem na poligamia.

Gostava de saber se a ousadia da perfumaria compensou. Se, no final da campanha promocional dedicada ao dia dos namorados, foram muitos os clientes que foram à loja e compraram mais que um perfume de senhora, numa confissão de que as atenções se dividem por várias mulheres. Uma pedrada no charco, se este anúncio funcionar como uma libertação das amarras que prendem homens polígamos ao recato de não revelar as vidas paralelas que levam. Tenho um amigo que é dono de uma ourivesaria. Vender ouro e jóias é um excelente negócio, já o suspeitava. As suas expectativas foram ultrapassadas. Não há semana em que não apareça na loja homem de meia-idade, com ares aburguesados, comprando jóias a dobrar: para a legítima e para a amante. Com a vantagem – para o dono da loja – da compra ser paga em dinheiro vivo, para não deixar rasto que denuncie a vida paralela do cliente.

Há antropólogos que tentam desmascarar a monogamia dos usos e costumes. Sublinham a natureza polígama do ser humano. Remam contra a maré dos hábitos instalados. Mesmo que, tantas vezes, a máscara mostrada seja pintada com as cores da hipocrisia: tantos os casos conhecidos em que se mantêm apenas as aparências, pois os sentimentos e os afectos são vividos em vidas separadas, fora da falsa harmonia familiar. Nas leis continua codificada a monogamia. Na vida real, tão distante da chancela legal, os desdobramentos afectivos mostram como a sociedade ocidental prega coisas que não pratica. Sem dramas. Vale-nos a dessacralização da vida terrena. Não como nas sociedades teocráticas, onde a religião penetra bem fundo em todos os aspectos da vida pessoal.

O Horácio – que não é quem certos castiços julgam – também escutou, condoído, o anúncio da Rádio Universitária do Minho. Por mero acaso, pois aquela não está entre as estações que se habituou a sintonizar. Ficou de orelhas quentes. Lembra-se do seu passado áureo, em que arrebatava os corações de meninas incautas que caíam na cantilena. Dava umas facadinhas na namorada oficial. Coisa sem importância, até porque são ancestrais os costumes que dizem que homem que não se desmultiplique por leitos alheios não é macho decente. Para azar de Horácio, a namorada soube de uma das escapadelas. Jurou vingança na mesma moeda. Um dos amigos do Horácio foi o alvo escolhido, para a retaliação ser mais dolorosa. Sangrado na sua honradez, Horácio penou largas semanas. Julgava que a infidelidade era monopólio masculino. Ainda hoje carrega a cicatriz. Para evitar mais desonras do tipo, não voltou a aportar numa namorada estável.

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