11.10.06

E se os deputados se drogassem?


Tem dado brado a trapaça metida a um grupo de deputados italianos por um programa televisivo sensacionalista. Conseguiram convencer oitenta deputados a passarem por um teste que recolhia células sudoríferas, passando um lenço pela iluminada testa de suas excelências. Não me apercebi do pretexto apresentado pelos responsáveis do programa. Tenho a impressão que era um teste para avaliar o grau de stress dos parlamentares pelo desempenho de tão sufocantes tarefas.


Tudo não passava de um embuste. Os deputados caíram, que nem patinhos, na ratoeira. A recolha de resíduos de suor tinha outro propósito: saber se havia representantes do povo que caíam na tentação de consumir estupefacientes. Queria-se saber qual o estado alucinatório dos lídimos representantes populares. Só para aquilatar se o povo está em boas mãos. A surpresa estava reservada para o final. Sem revelar os nomes dos transgressores, vinte dos oitenta deputados revelaram vestígios de marijuana, cocaína e outras substâncias proibidas. Vinte e cinco por cento da amostra!


O escândalo rebentou. As boas consciências interrogam-se como é possível que vinte e cinco por cento dos deputados italianos façam o que é reprimido ao comum dos mortais. Os mais moralistas indignaram-se: há poucas semanas o parlamento italiano aprovou, por larga maioria, uma lei que intensificou as sanções para quem seja apanhado a consumir drogas duras. Em alguns dos deputados que passaram pelo teste da esfregona sudorífera foi detectada cocaína, uma droga dura.


Também é possível olhar para o escândalo por outro ângulo. Sublinhando que ninguém tem o direito de interferir na vida privada, nem mesmo de figuras com tanta exposição pública como suas excelências os deputados. Não fará sentido alegar que devem dar o exemplo, como representantes do povo que são. Ainda que carreguem este fardo, a sua intimidade não pode ser devassada apenas porque aparecem sob as luzes do néon.


Fossem os italianos dados à enxurrada de aforismos populares lusitanos e seria caso para sentenciar: “no melhor pano cano a nódoa”. Só havia duas hipóteses de reparar os danos: ou os infractores, num acesso de honestidade, renunciavam ao cargo; ou o parlamento interiorizava a incoerência de acolher no seu seio pessoas que praticam o consabido “olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço” e, acossado por imperativos de frontalidade, legislava a liberalização das drogas.


De repente dei comigo cercado por uma fantasia: e se houvesse deputados portugueses apanhados nas malhas dos estupefacientes? E se um programa sensacionalista de uma das televisões lixo apanhasse os deputados numa armadilha semelhante? Eles e elas (ou elas e eles, para usar uma linguagem politicamente correcta) oferecer-se-iam, com um sorriso ao canto da boca, para depositar umas células de suor num lenço. Dir-lhes-iam que era para avaliar o muito stress que os parlamentares sofrem. Para provar que a ideia dominante entre o povo – os deputados trabalham pouco – é uma falácia. De caminho, restituir a grandeza ao parlamento, ele que anda pelas ruas da amargura, os deputados sentindo que são tão desrespeitados.


Tal como em Itália, os resultados seriam divulgados sob anonimato. Para não revelar as identidades das senhoras e senhores que se deixam contaminar pelo pecaminoso acto das substâncias ilícitas, entregues nas maravilhas alucinogénicas que proporcionam. Alguém conseguiria furar o segredo. Num qualquer jornal sensacionalista sem pudor, daqueles que não olham a meios para espalhar sangue pelos leitores tão ávidos de sarrabulhos deste género, seriam dados à estampa os nomes dos deputados com vestígios de drogas, leves e duras.


Entretenho-me a imaginar. À dócil Maria de Belém, traços de marijuana. Ao poeta Alegre, vestígios de Viagra (a idade não perdoa, e a libido ainda não ficou engavetada num estado vegetativo). Em Mendes Bota, o multifacetado deputado algarvio do PSD (político, empresário, ex-poeta e ex-cantor popular), indícios de cocaína. E Nuno Melo, essa grande promessa da direita trauliteira, vestígios de LSD e ecstasy, pois a noite ainda é o altar sagrado que nem o avanço da idade consegue apagar. A “muito querida” Joaninha Amaral Dias passaria incólume no detector de estupefacientes. E até o jovem Bernardino do PC, esse expoente máximo da democracia caseira, daria zero no teste do suor.


É claro que qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Quem poderá censurar um acto de criatividade?

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