11.12.06

Com o far west à porta


Este é um lugar espantoso para se viver. Um microcosmos de revelações bombásticas. Que havia suspeitas de um regime de coronéis ligado ao principal clube de futebol da cidade, com terror espalhado entre aqueles que ousam incomodar as excelências instaladas, não é novidade. O que se soube agora raia os limites do impensável: estes “senhores”, investigados por corrupção e outros desmandos, acharam por bem perseguir e intimidar juízes e investigadores ligados ao processo. Eis o odioso exercício de poder à boa maneira terceiro-mundista, com lacaios do crime pondo as mãos no fogo pelos mandantes. Um caciquismo ímpar.

Não só é um lugar espantoso; é, sobretudo, um lugar perigoso. Os métodos mafiosos estão aí como prova. Este é um sítio onde a dissidência em relação à figura que abençoa os demais pode valer feridas difíceis de sarar, depois de uma tareia que faz lembrar o pior dos jagunços brasileiros. Se ainda houvesse dúvidas acerca da máfia que nos rodeia, as últimas revelações são esclarecedoras. Um sub-mundo com gente da pior ralé, a carne para canhão das encomendas dos mandantes, mastins obedientes que só sabem que devem respeito à patriarcal figura que espalha os seus tentáculos por todo o lado. Não me custa adivinhar o incómodo desta gente porque na “sua” cidade há pessoas que não se revêem nos métodos, na retórica inconsequente, no bairrismo provinciano que soa a falso, apenas um cimento para arregimentar os fiéis que caminham cegos por onde os mandantes ordenam.

Por todo o lado há bolsas que resistem aos princípios vulgares da convivência civilizada. Mas a incivilidade, a brutalidade infamante, os métodos aviltantes chocam mais quando são nossos vizinhos. Porventura haverá exagero quando se associa a palavra “máfia” a esta gente impune. Pode não haver o mesmo registo de violência, nem as mortes sanguinárias. É uma máfia adaptada ao contexto local, com métodos que apenas não chegam tão longe como os que celebrizaram a máfia italiana. Enoja-me saber que posso cruzar com gente desta igualha num café, num autocarro, num cinema. Podem as proclamações de modernidade política ecoar nas bocas dos governantes, que enquanto estas bolsas mafiosas se passearem garbosas dos seus desmandos impunes seremos um Estado de direito diminuído, alijados da modernidade.

Perseguir juízes e investigadores da polícia judiciária com o processo “apito dourado” entre mãos é uma cartada de mestre. Muitos hão-de assim pensar, mais para os lados dos fiéis adeptos da agremiação envolvida. Assim pensam porque conquista terreno a ideia de que todos os meios são legítimos para os fins projectados. Se os privilégios dos mandantes mafiosos são ameaçados por uma investigação policial com a cobertura da magistratura, a lógica dos fins que não olham a meios cauciona o terror sobre quem investiga e interroga os suspeitos. Pode ser que se amedrontem e olhem para o lado, esqueçam os papéis comprometedores numa empoeirada gaveta, que não ouçam as escutas telefónicas tão lapidares. Questionar o império de gente que se achava acima de todas as suspeitas, desta gente que estaria convencida que o longo braço da justiça só tocava os outros, autoriza a intimidação. Eis o estado a que chegámos: polícias e juízes postos na linha pelos meliantes. Um exército privado?

Um ponto de ordem: ficamos surpreendidos com esta intimidação? Esta gente está habituada a manipular quem detém o poder de julgamento, mas no foro desportivo. A intimidação a juízes e investigadores é um passo adiante nos métodos de que se fizeram catedráticos. É, porém, um passo de gigante. Se já havia notícia da cumplicidade entre o futebol e a política, o futebol quis mostrar a sua força ao poder judicial, colocá-lo no sítio: o de estrita obediência à coutada citadina da eminente figura.

De repente, a realidade aclara-se. Esta cidade remete para o ambiente de uma qualquer república das bananas, onde o capo domina tudo, até os sucedâneos de políticos que se limitam a figurar na condição de autores materiais do mandante. Os últimos tempos têm sido de sorte madrasta para a eminente figura. O tapete vai fugindo debaixo dos seus pés. Deixou de contar com a reiterada aquiescência dos socialistas que por aqui governaram tempo a mais. Depois foram denúncias – quem sabe se feitas por alguém que já comeu na sua mão, mas foi esquecido no banquete que distribui o bodo aos pobres – que trouxeram o cenário impensável: o patriarca, com escolta de gente pouco recomendável, a chegar a tribunal para ser constituído arguido.

Lá virão os indefectíveis tentar arranjar pretextos em defesa do cardeal (que não devia ser incomodado pelo poder judicial). Lá virão lembrar que ele já não é arguido em quase nenhum dos processos em que se encontrava indiciado. Mas é aqui que pergunto se as intimidações não terão chegado ao pretendido.

1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

His time will come. Pat Garrett killed Billy the Kid and Eliot Ness got Al Capone. Pinto da Costa will also get caught, God willing.