28.12.06

Subsídios para o ego patrioteiro: Portugal já é um exemplo para os outros!


Eis como o garbo nacionalista teve ocasião para puxar os galões. Habituados a figurar no fim da escala, ou a encabeçar campeonatos que não orgulham, por uma vez teríamos que servir de exemplo aos demais. Logo agora que está vulgarizada a política de os países se inspirarem nas boas práticas dos seus vizinhos, sempre que elas pertencem ao domínio da boa performance. Nós, povo sorumbático que se entrega ao desporto nacional do auto-desdém, merecemos a episódica recompensa de sermos paradigmas para os outros.

Um alerta deve ser feito: os exemplos tanto podem desfilar pelas suas virtudes como pelos seus defeitos. Por outras palavras, há bons e maus exemplos. E até nos maus exemplos podemos buscar importantes lições. Os maus exemplos servem como farol que orienta para o que não devemos ser. Quantas vezes nos posicionamos perante um assunto por antítese em relação ao mau exemplo que é apresentado? Não é uma postura de negação. Nos maus exemplos podemos encontrar os subsídios para aquilo que, no momento, julgamos ser acertado. Neste sentido, os maus exemplos têm predicados que não podem ser menosprezados.

O ego nacional não deve ficar acabrunhado ao revelar o contexto no qual Portugal surge como exemplo: ontem foi revelado um estudo da Comissão Europeia que sinaliza aos novos Estados membros da União Europeia o que eles não devem fazer na transição para o euro; Portugal é oferecido como a antítese do caminho a percorrer. Detalhe importante: o estudo foi redigido por um economista português que trabalha na Comissão Europeia. Eis como somos um exemplo para os demais. Embora um mau exemplo.

Não acho que a retórica do mau aluno seja depreciativa do pulsar nacional. Nem podemos mergulhar em mais uma depressão porque fomos afiançados como o paradigma do que não deve ser feito pelos países que desejam ter uma transição suave para a nova moeda europeia. A tentação de escavar a cova do pessimismo nacional pode ser grande, concedo. Contudo, há que ver o aspecto positivo deste episódio que, na aparência, destila a vergonha pátria. Esta é a explicação: alguém tem que bater com a cabeça na parede, nem que esses erros sejam o roteiro para o que os outros não devem fazer. Neste sentido, somos um exemplo categórico para os países que aderiram recentemente à União Europeia. Eles têm pouca margem de manobra para o erro. O facto de termos reincidido no erro representa um acto de generosidade em relação a esses países. O mais elogiável altruísmo. Portugal é um laboratório vivo que mostra tudo o que não deve ser feito nos restantes países que caminham em direcção ao euro.

Ora não podemos ter vergonha de um acto de altruísmo. Nem deve a auto-estima nacional arrastar-se no lodaçal, suspeitando que somos vistos lá fora como o exemplo do mau aluno, o paradigma do que ninguém quer ser. Se ao nível pessoal somos instruídos para tirar ilações dos erros cometidos no passado, sem os dramatizarmos, sem cultivar o excessivo arrependimento, porque não decalcar o princípio para o sentir colectivo? Admito que é forte a tentação para denunciar os erros políticos do passado. Duplamente fácil: à uma, ajuizar políticas com o conforto da distância temporal é um exercício sempre facilitado. Tarefa mais difícil é conceber as políticas certas no tempo em que elas estão à espera de ser aplicadas; por outro lado, os que agora denunciam os erros em catadupa e alinhavam as letras que compõem os nomes dos culpados (com Guterres à cabeça) foram incapazes de perceber, em devido tempo, que os erros estavam a ser cometidos.

Que me interessa que Guterres seja o principal culpado, ou que Durão Barroso e Santana Lopes tenham reiterado esses erros? É tempo cujas páginas foram dobradas. A desdramatização do estudo da Comissão Europeia é o exercício que se impõe. Primeiro, para não voltarmos a mergulhar no tempo ido e julgar, fora do banco dos réus, os fautores da desgraça cujos efeitos hoje suportamos. Segundo, para que a debilitada auto-estima do colectivo não se afunde mais ainda. O estudo não deve ser o pretexto para desânimo nacional; nem sequer está em causa a vergonha de sermos vistos pelos outros como o mau exemplo a evitar. Eles não nos olham de soslaio. Pelo contrário, Guterres, Durão, Santana e toda a corte que os acompanhou são glorificados por esses países, que agora têm a certeza do que não se faz depois de entrar no euro.

Amanhã, mais um episódio que enfatiza as glórias do colectivo nacional.

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