10.1.07

Convence-te: não podes mudar o mundo


És já velho demais para resgatar adolescentes idealismos. Olhas em redor e repugna-te a insidiosa maneira de fazer as coisas, as perfunctórias decisões que ecoam apenas o confortável facilitismo. Há dias em que o cansaço fala mais alto. Outros em que percebes que a adolescência é apenas uma recordação já distante; e que, empacotada a adolescência no baú das memórias, a persistente acrimónia só merece um cínico esgar. Para teu sossego interior.

Mas há outros dias em que a carapaça se esboroa quando o infausto se acomete sobre ti. Manipulações diversas apanham-te no meio de guerras alheias, quando és subtilmente arregimentado para uma facção e a seguir para o outro lado; ou quando és convidado a caucionar a banalização que destrói o rigor; ou quando dás conta que te rodeiam pessoas mestres na arte da dissimulação, ora dizendo isto e logo a seguir o seu contrário, conforme as conveniências. Assustadora a falta de coluna vertebral de muitos. Chegas a um diagnóstico preliminar: ou estás dominado por uma dolorosa ingenuidade, ou deixas-te invadir por um acesso de idealismo que vem das profundezas de antanho, quando a idade imberbe apascentava idealismos.

Já aprendeste que sozinho és incapaz de mudar o mundo. Até já terás alcançado que nem te apetece mudar o mundo, sem contudo cederes perante a escada que o mundo real te estende. Estás assim, desorientado perante a encruzilhada que te aparece. Não sabes se ceder à tentação do mais fácil, ou se permanecer fiel aos princípios cada vez mais ingénuos, desfasados do mundo onde vives. É um dilema que te dilacera, mais quando irrompem os momentos de turbulência interior. Podes optar pelo caminho mais fácil. Sendo inviável remar sozinho contra a gigantesca maré, deves ser confortavelmente levado por ela. Perder as ilusões que sempre dominaram os teus sentidos. Provavelmente padeces de miopia quando diagnosticas o que te cerca. E, provavelmente, tens andado errado em todos estes anos. Os idealismos que te desligam da terra são uma inconsequente estrada. Todos os passos que ali deste, sinais da desorientação que te atormenta. Se estás seguro que sozinho és um minúsculo grão incapaz de mudar o mundo, terás discernimento para perceber que és tu que estás errado, não o mundo?

Todavia, resta sempre o lugar à dúvida. Permanece a angústia do outro caminho que a encruzilhada te oferece. Ressuscitar ideais antigos que foram remetidos à letargia com a idade amadurecida. Em letargia, sublinho: não foram encerrados numa gaveta e arquivados, sem retorno, na bolorenta arrecadação do que já não se resgata. Por vezes, há esta pulsão de retornar aos idealismos que estiveram em carne viva quando o pragmatismo era uma palavra vã. Não sabes se é uma súbita vontade de rejuvenescer, a ânsia de falsificar o tempo e recuar à juventude intensa que teve o seu tempo. Coincide com o cansaço do tempo, a repugnância do modo que vinga por todo o lado. É então que te sentes deslocado, ilhéu perdido que enfrenta as alterosas vagas que rebentam em cheio sobre ti.

Assim desnorteado, sem saber por que caminho da encruzilhada enveredar. Por mercê do sossego interior, a forte tentação de seguir pelo caminho alisado, por essa longa recta insípida onde tudo se aplaina no comodismo de ser mais um a tocar a sinfonia do pragmatismo. O caminho desprovido de paisagem, asséptico. Sem lugar a questionar valores e comportamentos: a sua vulgarização será sinónimo que as vozes dissidentes se desligaram da razão. O pragmatismo é a espada que cai, impiedosa, sobre idealismos diversos que se recusam a aceitar o mundo tal como ele é. O teu lado natural, espontâneo, grita condoído com a entrega nos braços do pragmatismo. Uma cedência, a demissão de ti mesmo, a acomodação ao pragmatismo - tudo na denúncia de vogar no facilitismo da grossa maré que nos empurra no mesmo sentido. Um bastão indolor, que a cedência ao pragmatismo inocula oportuna anestesia. Como se fosse uma venda que cerra os olhos, convenientemente fechados para não testemunharem o que seria incómodo se os ideais sonegados ainda imperassem.

Estás como uma nau que perdeu o mastro a seguir à tenebrosa tempestade enfrentada. Erras sem destino, ao sabor dos ventos que sopram de todas as direcções. E temes que as forças se exauram antes de alcançares porto de abrigo.

2 comentários:

Rui Miguel Ribeiro disse...

I know curiosity killed the cat, but may I ask if this is auto-biographical?

Rui Miguel Ribeiro disse...

So, "the reader should guess"? Well, I think it is auto-biographical given the pessimism, cynicism and, sometimes, gloom, that perpasses many of the Blogger's posts.