8.3.07

Inveja das mulheres


Cortar a direito pela semântica do título, que se presta a hermenêutica plural: não vou tratar da inveja entre as mulheres, ou da inveja que as mulheres nutrem pelo alheio, numa diferenciação de géneros ainda latejante. É outro o sentido do título: sou eu que invejo as mulheres. Em tempos de igualdade dos sexos, sem um dia internacional que celebre a masculinidade.

Continua febril o discurso da igualdade dos sexos, que fermenta a retórica da discriminação positiva em favor do sexo feminino. Por conta das décadas, senão séculos, de subalternização da mulher pelas convenções culturais fixadas pelo “sexo forte”. Ainda ninguém explicou por quanto tempo mais há-de vingar o logradouro da discriminação positiva. Ninguém avalizou critérios para concluir que a era da discriminação positiva terá chegado ao fim, num dia em que os desmandos marialvas de antanho já foram todos compensados. Nem vejo como se fará esta absurda aritmética que se ajoelha perante a torpeza da represália.

Elas continuam a reclamar igualdade. E, contudo, ficam indignadas quando um homem não lhes cede passagem na porta do restaurante, quando não recua a cadeira para a senhora se sentar, não exagera nas deferências que a educação cavalheiresca sempre cultivou. Como, logo a seguir, são capazes de olhar de soslaio para excessos de cavalheirismo, logo rotulados de machismo inconveniente. Elas são as ditadoras dos tempos modernos. De mansinho, para que os exemplares do marialvismo lusitano não percebam que perderam as rédeas.

Têm direito a dia internacional, onde a pertença de género é festejada. Ocasião para o disparatado ritual que explora as cicatrizes da guerra dos sexos, como se fosse desventura nascer homem ou mulher e ser confrontado com o sexo oposto. A novidade é a tentativa de fazer entrar a efeméride no rol de datas que se amparam na comercialização de coisas em troca de afectos pessoais. Por este andar, arranja-se uma efeméride por mês à conta das celebrações alusivas à mulher: é Fevereiro para as namoradas, Março para as mulheres todas, Maio para as mães. Enquanto isso, os exemplares do sexo masculino prosseguem a travessia do deserto, sofrendo na pele os maus-tratos que antepassados ignaros dedicaram à mulher.

Hoje, ser homem é sinónimo de gente discriminada. Da literatura que explora as (artificiais) separações entre os sexos jorraram páginas infindáveis de elegia à mulher. Na contraposição do néscio homem, a mulher é glorificada à exaustão – por escritoras feministas, por escritoras que destilam homossexualidade, por escritores que endeusam a mulher destapando um mal resolvido complexo de Édipo, por escritores que se entretêm em singelas homenagens ao sexo feminino, no seu íntimo transformistas que a ausente coragem os impediu de ser. O homem fica sempre mal no quadro. É uma dicotomia entre dois mundos tão diferentes: o preto e branco rançoso da masculinidade e as joviais cores da feminilidade; a sensibilidade feminina e o empedernido coração másculo; a intuição apurada do oráculo das mulheres e a indolente sarna dos homens; e de todos os demais estereótipos que são redutoras imagens de pessoas separadas à nascença pela aleatória distribuição dos sexos.

Quem foge aos lugares comuns da dicotómica fantasia apanha com a suspeição dos dois lados da barricada: um homem que acredite nos seus dotes intuitivos (o famoso sexto sentido feminino), ou que auto-proclame a sua apurada sensibilidade, é recusado pela sociedade feminina e alvo da chacota homofóbica dos expoentes do marialvismo. Não que, no seu íntimo, aspirasse a ter nascido mulher; não que seja homossexual. É vã a tentativa de desmontar a artificial separação, como se homens e mulheres fossem a cara e a coroa da mesma moeda. São apenas a simbiose na moeda indiferenciada.

Invejo as mulheres: são deusas em todos os altares. E mesmo quando vingam anacrónicas expressões que a coisificam, sobram as reacções de pesar, a censura social que acertadamente denuncia vetustos machos que ainda não discerniram a dignidade da mulher. De um fôlego só, a masculinidade é achincalhada, como se houvesse lugar a figurar no mapa genético da humanidade o opróbrio histórico de ter nascido homem. Longe de mim a misógina condição (ao contrário, ao contrário…).

Às vezes dou comigo a imaginar a sensação de pertencer ao sexo politicamente correcto, pelas benesses e tratos de polé, pelo enaltecimento moderno. Não tardo a cair em mim: não é sensação agradável, antes o desconforto de quem se sentiria mimado pelas piores razões. E pela perturbação de saber que os erros históricos são intemporais: gerações inocentes arrostam a culpa das gerações culpadas, entretanto fenecidas. As mulheres que se amesendam neste banquete, já deram conta da iniquidade? Da leviandade de serem empossadas na condição de amazonas divindades?

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