6.8.07

Um outro jardim zoológico


Adoro animais e a vida selvagem. Por isso não gosto de jardins zoológicos. Embatem de frente nos ares límpidos da natureza. Nos jardins zoológicos, tudo soa a falsidade. Habitats que tentam imitar os locais onde os animais selvagens foram capturados, mas sempre um sucedâneo que adultera as condições naturais a que os animais pertencem na sua selvagem condição. Eu já fui a jardins zoológicos. E só me apetece prometer que não voltarei a pisar o terreno onde se espalham tantas espécies que vivem deslocadas do espaço natural, aprisionadas para comprazimento dos humanos. Contrafeitos, tristonhos. Não tenho memória de alguma vez ter visto um animal selvagem exibindo felicidade pelo cativeiro destinado para o resto dos seus dias.

Nos jardins zoológicos há coisificação dos animais. São peões num espectáculo que se vende aos espectadores. São as coisas admiradas pelas crianças em sábios momentos pedagógicos, a estulta pedagogia do antropocentrismo. Os jardins zoológicos são os locais por excelência para progenitores (em digressões familiares) ou professores (em viagens de estudo) meterem nas cabeças dos petizes que a existência dos animais é um fado indeclinável: ao serviço da espécie humana, a espécie que exala a superioridade que o bom deus semeou no mundo.

Nos jardins zoológicos há todo um ar de faz de conta que é a antítese da pedagogia que as criancinhas deviam beber. Ou talvez não, se for levantado o véu que encobre o sítio onde vivemos, a aldeia global feita de falsidades mil. As crianças que desenham um frango sem penas e cabeça, porque é assim que o vêm à venda, sem saberem de que é feito um frango na sua imagem real. As mesmas crianças que hão-de ficar sem saber que a fauna que vive languidamente no jardim zoológico foi subtraída ao seu espaço natural, macerando os dias na indignidade da liberdade perdida pela pertença ao zoológico. Não chegam a perceber, os mais novos, que os animais que passam diante dos seus olhos não são artistas de circo, para erróneo deleite das pupilas esbugalhadas de quem, se pudesse, haveria de aplicar tropelias inenarráveis nos bichos.

Enquanto os animais continuarem a espelhar os rostos de tristeza típicos de quem perdeu fragmentos de liberdade, os jardins zoológicos são expressões da bestialidade humana. De caminho, a marca registada da imbecilidade do Homem, que contempla a utilização de animais para seu deleite, como instrumentos do seu comprazimento pessoal. Daí a coisificação dos animais que pertencem aos jardins zoológicos. Cada pedaço de terra onde vegeta uma vida selvagem manietada é um lugar empestado pela necedade humana. Dos fautores dos jardins zoológicos, que são os pérfidos perpetuadores da antropocêntrica veia que condena a humanidade ao degredo enquanto espécie. E, contra mim falo que já frequentei jardins zoológicos, dos espectadores que pagam bilhete para se divertirem com as faces entristecidas dos animais remetidos à vida em cativeiro.

Mudança de cenário – ou talvez não. Vogaram estes pensamentos quando passei, só fugazmente, pela marina. Teci um paralelismo entre a marina e o jardim zoológico. Entre o espectáculo consumido pelos mirones, os tantos turistas que confluem à marina e se debruçam nos gradeamentos que os impedem de adentrar no espaço reservado aos proprietários de embarcações. Ali ficam, minutos a fio, a olhar para os iates onde decorre uma qualquer operação de manutenção – a acostagem, a entrada de mantimentos, a donzela que sobe em biquíni à parte mais alta com um flute de champanhe por companhia, o garboso proprietário que gosta de se sentir alvo da inveja alheia, ou qualquer outro acto corriqueiro que logo desperta a atenção dos mirones.

E descobri: que do outro lado do gradeamento, onde só os abastados detentores de iates têm passagem, há uma espécie de jardim zoológico. O mesmo espectáculo para as massas que acorrem ao lado dos proscritos e que sonham, sem cessar, com o dia em que a boa aventurança deles faça tristes figurantes do espectáculo gratuito. Mas depois de muito pensar, percebo que a analogia é descabida. Assim como assim, os que se prestam ao exibicionismo estão na posse das suas aptidões de liberdade. Pelo rigor, não será um jardim zoológico. Um circo, com palhaços que desempenham gratuitamente. Ao menos fazem socialismo sem saberem.

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