25.9.07

Vende-se país


Não, não é mais um exercício de miserabilismo pátrio. Não foi o querido Portugal posto à venda. Soube há dias, foi a Bélgica em cacos que apareceu disponível para licitação pública num site que se dedica a leilões na Internet. A licitação começava por um milhão de euros. Uma pechincha, dirá o mais distraído. E aparentemente terá razão. Com um território que se estende por pouco mais de 30.000 quilómetros quadrados, o preço do metro quadrado sai em conta (33 euros).

Eis como o humor é a melhor terapia para casos problemáticos, daqueles que os sempre sérios políticos são incapazes de oferecer solução compatível. A Bélgica foi posta à venda porque há cerca de três meses está sem governo, após a realização de eleições. As negociações para a formação de governo não conseguem ultrapassar o impasse. Os partidos que podiam formar a coligação não se entendem, devido às divisões linguísticas que fazem da Bélgica um país tão peculiar.

Lembro-me da estranheza que senti quando fui a Bruxelas pela primeira vez: a toponímia, as placas com indicações, nas ruas, no metro, nos museus, tudo bilingue (francês e flamengo). Mais os conselhos do tio habitante em Bruxelas: se fosse para norte, terra dos flamengos, era preferível falar em inglês. É que eles olham de soslaio para o visitante que aparece a falar em francês. Detinha-me no mapa e nos dados geográficos e a perplexidade aumentava, sobretudo para quem estava habituado à tessitura homogénea do chão pátrio. Um pequeno país, cerca de um terço do território português, e tanta diversidade cultural, linguística, religiosa. E uma rivalidade ancestral entre valões e flamengos. Um país em pinças pela inimizade histórica entre as duas comunidades. Aprendi então que o federalismo é o milagre que cimenta os buracos que separam as duas partes com tudo para serem figadais inimigas. De como duas comunidades em antagonismo conseguiram superar inimizades e fazer-se país.

O espectro da divisão sempre esteve visível no horizonte belga. Agora recrudesceu, pela incapacidade de fazer nascer um governo, e porque essa incapacidade recua às rivalidades entre as duas comunidades. Um diálogo de surdos e as campainhas da intolerância a soarem mais alto que nunca fermentam o esboroamento da Bélgica. Há já quem sugira que, perante o impasse, a solução é a ruptura entre as duas partes belgas, o decesso da Bélgica como a conhecemos. A União Europeia perderia um dos seus Estados fundadores. Em sua substituição viriam dois novos (quase micro) Estados. De vinte e sete para vinte e oito Estados, a nova composição da União Europeia.

Dizem os sábios, “para grandes males, grandes remédios”. E se há casais que chegam ao fim da linha e escolhem o divórcio, também o casamento frágil que manteve a Bélgica como Estado tão artificial pode estar a caminho do divórcio. A História está repleta de casos de recomposição de fronteiras. A tendência recente é a pulverização de fronteiras, com a desagregação de outrora grandes países em vários Estados que assumem a sua autodeterminação, ganhando direito à independência. Tivemos a implosão da União Soviética e da Jugoslávia, mais a divisão da Checoslováquia. Seguir-se-á a Bélgica? E depois, a Espanha? Pois também há quem diga que o conglomerado de nacionalidades deu origem a um país artificial, um espartilho que asfixia a identidade dessas nacionalidades. Riscos que a portugalidade, tão homogénea, não corre. Para gáudio dos que mostram exacerbado orgulho pátrio.

Nada impede que Portugal surja à venda na Internet. Pode sempre aparecer um provocador profissional que se disponha a vender o país que o viu nascer. Assim como assim, somos educados na convicção de que somos o país e que o país somos nós. Daí ao direito de dispormos do património que nos pertence, um singelo passo. O seguinte seria congeminar uma fórmula atractiva para a licitação pública (e um valor de partida). Ilógico assumir o milhão de euros proposto para a Bélgica e usar uma regra de três simples, computando o território luso para aferir o valor de partida. É que as terras têm qualidade diferente. E o lastro dos países – o desenvolvimento que mostram, a têmpera dos povos – é factor de elevada ponderação. E ainda que Portugal seja 2,7 vezes maior que a Bélgica, isso não seria suficiente para começar a licitação pública com 2,7 milhões de euros. Exigível um factor de correcção para desvalorizar a proposta lusitana. Por estimativa, diria que seria aceitável partir de dois milhões de euros.

Faltaria a fórmula acertada para seduzir os potenciais compradores. Sugiro esta: “terra de abundantes horas de sol ao longo do ano, variedade de paisagens, monumentos a carecerem de intervenção reabilitadora, gastronomia válida, vinhos de qualidade, folclore inestético, fado enfadonho, tristeza popular por aplacar e preguiça congénita incorrigível; paz social e brandos costumes fazem da sociedade um plácido conjunto fácil de domar a quem vier gerir o estabelecimento.

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