18.12.07

A maior maleita: os “consensos” à força


Dizem: que só deixaremos o atraso para trás das costas quando os consensos aterrarem na sua solidez. Quando os “desígnios nacionais” forem merecedores de ampla concordância. A metáfora da barca que exige os remos todos no mesmo sentido. A lógica dos consensos está institucionalizada. O mais entusiasta patrocinador é o presidente da república, clone do seu antecessor, que com pose de estadista responsável nos educa na necessidade de falarmos todos a uma só voz, de todos remarmos para o mesmo lado. A ver se derrotamos a maré que nos tem deixado tão para trás.

O pior é que os consensos a bem da nação silenciam as vozes dissonantes, como se estas estivessem acantonadas num radicalismo que leva a lado algum. Os pregadores peroram sobre a inevitabilidade dos consensos. Quase sempre se escusam a articular argumentos que tornam os consensos tão inevitáveis. Em vez do lastro da racionalidade, sobram como expressão de um capricho das elites dominantes que atrelam um séquito numeroso. Os que ousarem remar para um lado diferente são denunciados: vozes sem razão, radicais sem expressão, o rótulo de velhos do Restelo como insígnia que desmerece, réus na obstrução ao progresso da nação.

E dizem: que sem consensos estamos divididos. E divididos não avançamos. A ausência de consensos mergulha-nos no profundo atraso. Todas estas ideias são aflitivas. Vêm impregnadas de um totalitarismo intelectual inadmissível numa sociedade aberta. E se em vez de alarmarem os incautos, fazendo-lhes ver que só há um destino possível – apregoado pelo consenso divulgado – não provam a razoabilidade dos consensos que nos querem impor? Se mais não bastasse, a lógica do consenso que é inevitável "apenas porque sim" é incomodativa.

O mais perigoso é a veia totalitária dos consensos. A urgência em calar as vozes desordeiras, aqueles que não se calam contra a dormência de espíritos que os fautores dos consensos querem semear. A pesporrência dos senhores do consenso, quando olham com desdém para os que se recusam a provar o remédio tão milagroso que propõem, é o melhor argumento para estar do lado contrário da barricada. Chega alto a desonestidade intelectual. Do alto da sua pretensa superioridade intelectual, olham de soslaio para os dissidentes e remetem-nos à baixeza intelectual. Só porque não saltaram para a barca do consenso e não pegaram num remo ajudando a barca a navegar na direcção correcta.

O que esta terra precisa é de confronto de ideias. Do desassombro dos que soltam a imaginação e inventam novas ideias, aquelas que empurram a nau para a frente. E de tolerância, abertura de espírito e humildade intelectual para admitir que às vezes os que pensam diferente se recolheram em ideias que são melhores. É que os admiradores dos consensos teimam na sua vocação messiânica. São milagreiros infalíveis, como se estivessem dotados de uma varinha mágica que transforma as coisas más assim que são por eles tocadas. De tanto interiorizarem a infalibilidade, cresce-lhes a arrogância e a intolerância. Misturam a inevitabilidade das suas ideias, protegida pelo manto do consenso necessário, com um totalitarismo que denigre quem aparecer pela frente.

Apetece contrariar estes consensos forçados. Que mais não seja, por espírito de contradição, um higiénico compromisso com a abertura de espírito que escapa aos tortuosos caminhos que somos convidados a palmilhar. Sabendo à partida que os que forem pelo outro lado da encosta o fazem por sua conta e risco, abandonados à sua sorte, e logo denunciados pelos cultores da consensualidade por teimarem em remar para o lado errado. É higiénico remar para o lado errado. Nem que seja para afirmar um espírito de contradição que incomode os sacerdotes dos consensos, para que percebam que não amedrontam toda a gente ao jorrarem as certezas absolutas sobre a inevitabilidade dos consensos.

O sucessor de Sampaio, cada vez mais um seu émulo, é o papa da consensualidade. Pergunto-me se a muita gente de direita que alimentou, extasiada, a candidatura de Cavaco ainda não se arrependeu. De ver um presidente cada vez mais amorfo, cada vez mais penhor da pior doença da democracia caseira: o complexo de Dupont e Dupont que é a existência do amorfo bloco central, o centrão que é o sintoma das doenças que nos impedem de avançar.

Nem de propósito, ainda ontem a União Europeia divulgava estatísticas desconfortáveis: o poder de compra vai ficando para trás da média europeia e até países que estavam atrás nos vão ultrapassando (Hungria, República Checa, Malta e Chipre). Devem ser os efeitos dos milagrosos consensos que nos vendem.

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