10.1.08

A moda andrógina


Tenho que admitir: a espaços, necessidade de fazer a digestão do deslumbrante universo da moda. Dissecar as passerelles, as roupas tão imaginativas que nunca as vemos trajadas em plena rua, os desfiles de autómatos impassíveis, rostos fechados, passos maquinais, para trás e para a frente, repetitivos. E os rumores: as drogas, a parca alimentação que reduz os corpos à sua esquálida expressão. Tenho que admitir: o mundo da moda tem o dom de em mim causar irritação solene. Não sei se será por o associar à pura inanidade, o grito mais alto da futilidade.

A moda tem muitos modismos. Vão variando consoante a estação e os estilistas que atingem os píncaros. Entre o muito que me causa espécie na moda, a mania da imagem dos manequins masculinos que mais se assemelham a meninas. É a androginia na moda. Para além dos rostos inexpressivos, como se tivessem desaprendido de esboçar um sorriso, os rapazes que passeiam nas passerelles e se expõem diante das máquinas fotográficas têm rostos e corpos efeminados. Até uma certa moda que recorria a corpos masculinos mais musculados, muito trabalho de ginásio que adelgaçava os abdominais, entrou em desuso. Agora são corpos muito magros, desprovidos das pilosidades que distinguem um corpo masculino de um corpo feminino, corpos macilentos.

Para estes rapazinhos, até a barba parece ter sido definitivamente depilada – como, consta, fazem no torso e nas pernas, que assim deixam de ter trabalho para periodicamente rapar as excrescências capilares que teimam em irromper da epiderme. Para compor o ramalhete, consta que estes rapazes tomam hormonas (femininas?) para se acabar o incómodo dos traços masculinos que são obstáculo à imagem dos manequins que vingou no mundo da moda.

Ponto de ordem: é verdade que estes rapazes têm direito a parecer-se com raparigas. Longe de mim propor que uma brigada de costumes, guardiã do universo politicamente correcto, viesse tomar conta das leis e, implicando com os modelos andróginos, impusesse por decreto que a confusão de sexos deixava de ser admissível. Só que do mesmo modo que a moda triunfante tem direito a reservar para si as suas preferências estéticas, também estou no meu direito de não me identificar com elas. E de me interrogar por que meandros esquisitos anda esta moda que está na moda, que labirínticos caminhos palmilha, que mensagens subliminares traz nas entrelinhas.

Já em tempos admiti a admiração que tenho pelos transexuais. Admiração pela coragem em assumir que nasceram dentro de um corpo estranho. Deve ser angustiante o dilema que os consome. E a coragem que convocam quando decidem assumir o outro sexo com que não nasceram. Não é esta coragem que convive com a moda andrógina. Apenas ambiguidade. A ambiguidade que está na definição da androginia. Alguma covardia. Desconheço – e nem me interessa saber – a orientação sexual dos rapazinhos que se passeiam embrulhados nesta ambiguidade de sexos. Mas parece que estão na mesma categoria dos transformistas, só que não chegam aos seus calcanhares na coragem de se assumirem diferentes daquilo que nasceram. Ou então, nada disto. Apenas uma encenação – outra mais – do mundo da moda, uma imagem estética que manipula um rol de modelos masculinos que se assemelham a corpos femininos.

Há mais perplexidade: muitas mulheres embevecem-se com estes rapazinhos que desfilam nas passerelles e são retratados pelas câmaras fotográficas. Pelam-se por eles, suspiram pela beleza efeminada destes modelos. O que desnuda uma controversa opção interior, porventura um lesbianismo reprimido: pois elas ficam embeiçadas por homens (traço de heterossexualidade) que são um mostruário de feminilidade (vingando a homossexualidade feminina recalcada). Ou, afinal, bissexualidade sem o saberem. A mesma ambiguidade dos modelos andróginos marca as adolescentes e já não adolescentes que ficam enfeitiçadas por eles. Será que muitas delas chegam a perceber a sua homossexualidade reprimida?

Já foi tempo em que as mulheres gostavam de homens pelo que eles tinham de diferente, no espaço tão longínquo que separava os dois sexos. Isto não é a apologia do homem abrutalhado, sem maneiras, que se ufana de maltratar as mulheres. É apenas a estranheza por, em tão pouco tempo, viajarmos de um extremo ao outro, do homem retratado pelo hediondo perfil do marialva ao protótipo do rapazinho andrógino. Ou então sou eu que ando desalinhado do mundo.

2 comentários:

Miriette Le Fay disse...

Andróginia não tem nada haver com a tua opção sexual (seja ela hetero, homo, bi, etc). Andróginia tem haver com o teu género (feminino/masculino). Andróginos são pessoas que se vêem como pertencendo a ambos os sexos ou que têem caracteristicas comportamentias independentes da norma estipulada para o sexo em que pertencem. Já os transsexuais são individuos que se identificam com o sexo oposto.
Não tem nada haver com falta de coragem por parte dos andróninos. Eles adimtem ser o que são. E se o que são não implica mudança de sexo ou algo mais difícel é porque não implica. As mulheres actualmente não gostam assim tanto dos andróginos, talvez se gostassem haveria menos pessoas a ser gozadas e humilhadas neste mundo. Mas gostos não se discutem.
Não se deve confundir género com sexualidade e muito menos assumir ou formular conceito pré-concebidos.

Miriette Le Fay disse...

Andróginia não tem nada haver com a tua opção sexual (seja ela hetero, homo, bi, etc). Andróginia tem haver com o teu género (feminino/masculino). Andróginos são pessoas que se vêem como pertencendo a ambos os sexos ou que têem caracteristicas comportamentias independentes da norma estipulada para o sexo em que pertencem. Já os transsexuais são individuos que se identificam com o sexo oposto.
Não tem nada haver com falta de coragem por parte dos andróninos. Eles adimtem ser o que são. E se o que são não implica mudança de sexo ou algo mais difícel é porque não implica. As mulheres actualmente não gostam assim tanto dos andróginos, talvez se gostassem haveria menos pessoas a ser gozadas e humilhadas neste mundo. Mas gostos não se discutem.
Não se deve confundir género com sexualidade e muito menos assumir ou formular conceito pré-concebidos.