28.3.08

Publicidade enganosa


(Aviso: contém linguagem eventualmente homofóbica.)

Passa nos ecrãs da televisão. Publicidade a um perfume que, por acaso ou não, do nome não guardo lembrança. Imagens em câmara lenta, muitos rapazes novos saídos de uma cultura específica dos manequins que estão na berra nos dias que correm. Aqueles rapazinhos inexpressivos, incapazes de esboçarem o mínimo sorriso. Corpos esculturais, muito ginásio nos interstícios das hormonas femininas que ajudam a esbater para todo o sempre qualquer vestígio de pilosidade tão masculina que destoa da moda vigente. E rostos marcadamente andróginos, numa ambiguidade sexual (ou assexuada?).

Do que percebi, é publicidade a um perfume para homens. (E decerto as feministas arrepiadas neste momento com a impressão retida farão o favor de conceder que há perfumes para homem e perfumes para mulher.) O aroma inscreve-se nos predicados das essências que só o sexo masculino empresta ao corpo. Todavia, o anúncio é um desfile de homossexualidade latente. As imagens em câmara lenta sugerem a sedução que se insinua nos olhares entre os rapazinhos inexpressivos. Gestos de uma ternura arrebatadora, sem contudo haver a explícita imagem de mãos dadas, ou rostos osculados por um parceiro. Os corpos ao início semi-desnudados, saídos do banho em pleno balneário, entregam-se a uma lânguida coreografia que perfuma a sexualidade diferente daqueles rapazinhos.

A suspeita de que o mundo da moda é uma selva composta por estranha fauna consuma-se naquelas imagens. Os manequins masculinos: meninos tão bonitinhos e, todavia, tão andróginos, deixando antever alguma homossexualidade – explícita, ou apenas encapotada. Insisto: não há aqui repressão a essa maneira de ser. Como também não pode a minha estranheza ser calada, sob os auspícios da covarde manietação da liberdade de expressão só por ela ser um atentado contra um dos dogmas que vingou com a correria do tempo – o império do politicamente correcto. Não é por aqui sangrar franqueza que contraria os padrões estabelecidos que me sento no banco dos réus, acusado de homofobia.

Gostava de ter estado por dentro dos meandros desta campanha publicitária. Para perceber se foi uma estratégia propositada, concebendo um anúncio que atrai o público gay, acantonando o perfume a uma conotação. Ou se foi a consagração de um entendimento que seria, para mim, uma surpresa: que não, o perfume teria como alvo todo o público masculino, na descoberta que uma proporção já significativa dos homens se revê naquelas imagens, seduzido por elas e pelo que elas significam.

O que causa surpresa é que um perfume dirigido ao público masculino seja tão abertamente um mostruário de imagens que insinuam homossexualidade. Posso ainda viver aprisionado numa conservadora maneira de ver o mundo (o que me assusta, por ser geneticamente contrário ao conservadorismo), mas ainda entendo a maioria dos espécimes do sexo masculino como expressões de heterossexualidade. Ora aos heterossexuais, mesmo aos que tenham mente aberta ao ponto de conviverem sem problemas com a homossexualidade (desde que seja dos outros), imagens de homossexualidade masculina agridem os sentidos. Eis a minha perplexidade: pode a empresa que comercializa aquele perfume ter a pretensão de chegar ao público masculino mais, por assim dizer, “sexualmente conservador”?

Das duas, uma: ou se confirma que entre a população masculina é já significativa a fatia dos que se abrem a orientações sexuais alternativas, e passa a fazer sentido aquele anúncio publicitário; ou esta publicidade é uma pedrada no charco nos costumes estabelecidos, pois é invulgar a coragem de assumir que o público-alvo é composto por pessoas que se deixam inebriar com o cortejo de manequins masculinos de andrógino aspecto e tão ostensivamente gays.

Não me causa incómodo a publicidade. Também devo dizer que não há-de ser perfume que compre – e não custa admitir aqui o preconceito, a que tenho direito, de não comprar produto envolvido numa imagética na qual não me revejo. Em tudo isto, uma vitória civilizacional: a franqueza de admitir que há produtos com um público específico, que se demarca pela sua orientação não heterossexual. Assim como assim, há dias a vista escorregou para uma famosa série juvenil que passa na TVI e pude ver como os guionistas tiveram o desassombro de assumir dois personagens, jovens adolescentes, nos braços um do outro.

Não sei se será publicidade enganosa. Se calhar, as convenções serão revistas: perfumes para homem, perfumes para mulher e perfumes para homossexuais.

2 comentários:

Anónimo disse...

Pois é... o mundo a mudar.
Mas já há muito que o consumidor homem (como a mulher) está segmentado:
- criança, velho, magro, gordo, careca, benfiquista...
O homosexual é apenas mais um segmento a explorar.

Se há mercado, porque não?
Ponte Vasco da Gama

Anónimo disse...

boring!! :/

ah ah