2.4.08

Do novo-riquismo


Um estranho caso de amor e desamor: os patos bravos, vindicando o arrivismo social, alvos da maior chacota dos barões estabelecidos. No entanto, os ventos da democracia, que exalam o imperativo do igualitarismo, acolhem os novos-ricos no palco do estrelato. Para, logo de seguida, serem os cultores do igualitarismo a produzir assertivas peças de sabedoria que desconjuntam os patos bravos que conseguiram soerguer a cabeça por entre a miséria material.

Mas os novos-ricos não pertencem apenas ao domínio do material. Não são apenas construtores civis que souberam manter toda a boçalidade do berço à medida que iam enriquecendo a conta bancária. Não são apenas os arrivistas sociais, aqueles que esticam o pescoço na ânsia de aparecer nas fotografias em revistas cor-de-rosa. Há novos-ricos intelectuais, às vezes apenas intelectuais desprendidos de qualquer laivo de materialidade. Umas vezes mostram o novo-riquismo através de sinais bafientos que pedem emprestados às instituições ancestrais, não percebendo a falta de sintonia entre os tempos que andam descompassados. Outras vezes o novo-riquismo é das ideias, embrulhadas num celofane que ostenta o aroma do vanguardismo.

A tentação fácil é criticar os novos-ricos que vieram do nada e alardeiam sinais de riqueza de mão dada com uma tremenda falta de gosto. O problema é que algumas vezes o dedo em riste e a chacota irreprimível são pretexto para engomar a inveja indisfarçável. Não a inveja pela estética duvidosa que os patos bravos passeiam, atirando as provas de uma vida bem-sucedida no plano material contra a cara dos demais. É inveja pelo estatuto atingido, que autoriza a ostentação dos sinais exteriores de riqueza. Talvez por isso a crítica é tão feroz e satírica contra os arrivistas sem berço financeiro que amesendam nas grandes negociatas.

Descontando a gritante falta de gosto, de permeio com a boçalidade que fortuna alguma consegue apagar vestígio, não me chocam estes novos-ricos. Os mesmos esquerdistas empedernidos que asseguram a necessidade do igualitarismo engatilham numa insanável contradição quando figuram na linha da frente das denúncias. Assim como assim, todos têm direito a enriquecer. E a desfilar sinais exteriores dessa riqueza, sem interessar se exibem uma estética boa ou uma estética lamentável. É nesta altura que, a coberto do seu implacável juízo, os esquerdistas militantes e os da direita de berço e tacanhamente conservadora esboçam dúvidas sobre a origem da fortuna. Interrogam a licitude das actividades dos patos bravos. Debatem-se sobre a ética dos negócios de onde jorrou tanta abastança. Esquecem-se que os tribunais é que existem para tirar essas conclusões.

Não me atormentam esses patos bravos que arrastam atrás de si um cortejo de parolices. Antes pelo contrário: são a prova de como o rasgo vinga e traz mais bem-estar. A democratização da abundância material, não restrita a uma casta que se encapsula numa concha impenetrável. Com proveitos intangíveis para quem está em redor destes novos protagonistas: é sempre agradável dar de caras com bobos da corte, as provas vivas do oposto do que somos. São lições vivas que exigem estudo atento. Servem para recordar, se falta fizesse, que há passos evitáveis, toda uma estética que é a sua própria antítese.

O que me inquietam são as manifestações grosseiras de arrivismo intelectual. São os novos-ricos que copiam sinais emoldurados em instituições antigas, sem notarem que a idade jovem das suas instituições não se compadece com a imitação forçada. É como se fosse dado a um ancião experimentar a coreografia de um rap. Ou a tremenda inteligência, a incontestável sabedoria dos fautores do vanguardismo intelectual, que vomitam uma sabedoria pesporrente contra a (suposta) menoridade intelectual de quem se lhes oponha. Generosos, predispõem-se a ensinar a doutrina certa aos desvalidos. Para acentuar a sobranceria, afinal sinal inequívoco do seu novo-riquismo intelectual.

Contra os novos-riquismos deste jaez, apetece figurar no lado oposto da barricada. Ignorar rituais que são uma cópia confrangedora e descontextualizada de outros lugares, uma desordem tão evidente. Recusar ser cúmplice do embuste. Como apetece ser subitamente conservador (mau grado a genética recusa em o ser), só por antinomia da prepotência dos arrivistas intelectuais que passeiam a sua superioridade tão incontestável.

Por uma vez de acordo com os apóstolos da catástrofe que não se cansam em acusar a deriva materialista da sociedade do consumo: porventura é por sermos tão adoradores dos sinais que ostentam materialidade que nem sequer damos conta que o mais perigoso novo-riquismo não é o dos patos bravos que vieram do nada e fizeram tanta fortuna.

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