8.5.08

Males indígenas (II): Ninguém chumba!


A ministra da educação anda por aí numa cruzada a promover um mar de facilidades entre as criancinhas que andam na escola. Do alto da sua muito iluminada aura, a senhora argumenta que os meninos e as meninas não devem reprovar no final do ano. Que lhes faz dano irreparável.

Eu até entendo que as criancinhas, a caminho da estúpida adolescência, possam ficar traumatizadas se lhes for barrada a passagem de ano. Se tiverem pais normais, mais traumatizados ficarão: decerto estará à espera um castigo severo, umas férias monásticas, ou restringidas a um trabalho estival qualquer – desde que não se cometa a imprudência de arrastar os petizes para trabalho infantil. Será esta tão elevada condescendência da ministra e dos seus acólitos pedagogos que tece as teias de novas regras que proscrevem as reprovações do léxico escolar. Os professores, coitados, cada vez mais peças de enfeite de um sistema educativo desorientado, cada vez mais a negação do que se espera de um sistema de educação – que eduque. Apetece prognosticar: pelo andar da carruagem, algum dia o ministério há-de mudar de nome. Ministério da deseducação, ou ministério do facilitismo escolar.

Quem me explica como se compatibiliza a "paixão pela educação" e um sistema educativo que se notabiliza pelas facilidades dadas aos estudantes? Os sábios do reino asseveram que uma das maleitas que nos afundam nos campeonatos onde nos comparamos com os países europeus é a falta de qualificações. A tanta mediocridade que gravita em nosso redor não se explica apenas pelo que aprendemos – ou não aprendemos – na escola. Mas tem aí muita origem. Particularmente no desnorte endémico que afecta o sistema escolar e tomou conta das sumidades que fazem do ministério da educação um ninho de experimentalismo. Eles não se cansam de fazem dos estudantes cobaias. De experiência em experiência, tem sido sempre a descer. Um terreno muito fértil para a mediocridade asfixiante.

A ladeira é tão acentuada que o que custa é estancar a descida rumo ao precipício. Os pedagogos do ministério da educação não param de oferecer soluções surpreendentes, imprimindo mais velocidade à carruagem na sua descontrolada deriva ladeira abaixo. A derradeira invenção é um prémio aos medíocres, a medida que varre as reprovações do mapa da pedagogia escolar. O que é fantástico é reparar na argumentação da ministra da tutela: que será penalizante para as criancinhas passarem pelo crivo de uma reprovação. Exactamente: a ideia é essa – uma penalização para quem não consegue, ou não se esforça para alcançar, os níveis mínimos.

Primeira observação: de desresponsabilização em desresponsabilização, as mulheres e homens de amanhã serão gente impreparada para o que quer que seja – a menos que o sejam por paciente pedagogia familiar, ou que consigam amadurecer antes do tempo e, por esforço autodidacta, aprendam à sua conta o que a escola se demite de ensinar. No futuro, haveremos de ser exemplares no campeonato das estatísticas, com taxas de reprovação a roçar o zero. Que interessa que isso seja uma simples ilusão da estatística, os números apenas escondendo a mediocridade entretanto cultivada nas escolas? E que interessa que as qualificações humanas se distanciem mais ainda dos países que cultivam a excelência? O futuro será o cobrador de fraque da mediocridade instalada. Nessa altura, estes pedagogos e os ministros que lhes dão guarida estarão em sossego nas suas campas, porventura convencidos do inestimável serviço prestado. Não serão testemunhas vivas das muitas asneiras que assinaram.

Segunda observação: quando se pensava que o nível de exigência já andava pelas ruas da amargura, a ideia abstrusa da senhora ministra da educação trocou as voltas à compreensão das coisas. O culto das facilidades é o maior obstáculo dos professores, impedidos de exigir dos alunos por o nível médio ser tão fraco. A chancela para nivelar toda a gente por baixo. O que acarreta um custo elevado: os que se distinguem são os anormais, apontados a dedo como tais; e se teimam em se elevar entre a penumbra da mediocridade, sobra-lhes o opróbrio por o serem. Alguns desistem e deixam-se nivelar pela fasquia baixa por onde vegeta a multidão. O que irá acontecer quando esta fantástica medida das não reprovações entrar em vigor? O nivelamento ainda mais por baixo. Os estudantes a marimbarem-se para o que se espera deles – que estudem –, pois sabem que por mais ou por menos que estudem a passagem de ano está garantida.

Eu até compreendo a ministra da educação nesta sua privada cruzada. Como vértice da pirâmide, tem que oferecer o máximo exemplo. Defende que os estudantes deixem de reprovar no final do ano, porque se ela fosse sujeita a uma avaliação de desempenho era essa a sentença que estaria à sua espera. Para escapar dela, a milagrosa solução é bani-la – a começar pelas escolas que ela tutela.

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