12.5.08

Não mais o BES verá a cor do meu dinheiro


A covardia é um exercício execrável. Quando vem de mão dada com a hipocrisia, bate no fundo da indignidade. Temos direito a protestar contra a ignomínia dos hipócritas covardes, denunciar o ensaio de realismo pragmático e dizer adeus às parcerias com os actores que entram para o alçapão da covardia hipócrita.

É o que sinto ao observar a reacção do BES, depois de ter convidado Bob Geldof para uma conferência onde o artista agora reconvertido a sacerdote dos desvalidos foi impiedoso para a cleptocracia angolana. Os ditadores de Luanda reagiram, muito ofendidos. Estão no seu direito. Em defesa do seu território. Patético foi o comunicado do BES, ainda a reacção angolana crepitava à saída do forno, “demarcando-se” do que Bob Geldof tinha dito na conferência organizada pelo banco. Havia necessidade? Alguém, no seu juízo, teria confundido as palavras do convidado com os sentimentos do anfitrião? Não houvesse que considerar os meandros dos negócios, os interesses que vêm coloridos com os milhões que coroam estes negócios, e haveria uma infantilidade incompreensível nesta “demarcação” que o BES quis solenizar em comunicado para o público consumir. Eu diria: o comunicado foi mais para apaziguar os ânimos (exaltados) dos tiranetes angolanos com quem se habituaram a fazer negócio.

A isto chamo a covardia dos que se põem de cócoras. Longe do BES ferir as susceptibilidades das intocáveis autoridades que se locupletam enquanto o povo passa uma vida pela pardacenta via-sacra de miséria. O que é notável é o desequilíbrio de reacções: os ânimos exaltados dos comunistas reciclados de Angola chegou para insinuar que o BES devia ser mais cuidadoso na escolha dos convidados para eventos daquele calibre. Ninguém ficou ofendido. O BES meteu o rabo entre as pernas e o mais que conseguiu fazer foi “demarcar-se” do que Geldof tinha dito em desabono dos infalíveis criminosos que mandam em Angola. É como se alguém de fora dissesse quem posso convidar para a minha casa. E eu, de cabeça baixa perante sua senhoria, anuísse na sugestão e logo de seguida me arrependesse de ter sido anfitrião de alguém que tenha sido antipático para sua senhoria.

Sinal dos tempos, somos testemunhas de amostras vivas do complexo do colonizador às avessas. A cleptocracia angolana permite-se o luxo de insidiosamente ingerir no antigo colonizador. Que se cala, pois há muito dinheiro a correr nos negócios que Angola oferece, entre o aproveitamento das inúmeras riquezas naturais e as necessidades de reconstrução de um país mergulhado numa profunda miséria. De onde apenas se salva a elite que gravita nos corredores do poder detido pelos comunistas reciclados. Ai de nós que deitemos cá para fora a ofensa, a mínima ofensa que seja, aos tiranetes de Luanda. O silêncio – perturbador – impera quando de Luanda chegam recados a Lisboa, como se fosse a vingança fria que se serve, para deleite dos torpes governantes angolanos, nos contrafortes dos séculos de colonização.

Remexer no passado dá mau resultado. São as feridas não saradas que se reabrem, purulentas então, trazendo de regresso ódios estéreis. Quando esse passado mal resolvido ferve num caldo de cumplicidades que dá alento a silêncios ensurdecedores para não incomodar os maus fígados dos angolanos que põem a assinatura nos negócios milionários, sobra o nojo das cumplicidades que fecham os olhos às más companhias - e às atrocidades que vitimam inocentes. Preferem amesendar com criminosos; a contrapartida é aliciante: os negócios, o dinheiro a rodos que corre a cada assinatura que sela esses negócios. É nesta altura que os capitalistas se esquecem da consciência e arquivam os mínimos da doutrina política em que foram educados (e, apetece interrogar: terão sido educados nela?). À tona, a fétida espuma da hipocrisia, a passadeira vermelha estendida para a covardia que se sobrepõe ao pragmatismo dos negócios.

Quando nem sequer a dignidade fica de pé diante dos imperativos dos negócios, tudo fica dito acerca do jaez desta gente. No fim de contas, a sua têmpera não há-de diferir dos vilões que alindam a cleptocracia angolana. Da minha parte, uma decisão. Os míseros trocos que guardo no BES de lá vão ser retirados. Sei que isso não faz diferença ao BES. Mas faz diferença à minha consciência. Que, ao contrário dos lamentáveis senhores do BES, não tem preço.


1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

Muito bem. Do melhor que tenho lido sobre os tiranetes de Luanda e os seus acólitos.