2.6.08

O tabaco, a nova praga


Há empresas que puseram processos disciplinares a trabalhadores que têm o pecadilho pessoal de serem fumadores. Acusam-nos de promoverem a perda de produtividade, pois têm que se ausentar do local de trabalho para satisfazerem o vício. Enquanto soltam as baforadas de nicotina, não estão a contribuir para a laboração da empresa. De acordo com a notícia, estima-se que o prejuízo de produtividade atinja 15%.

Decerto os proprietários ou gestores daquelas empresas não querem apenas mudar os hábitos dos funcionários, levá-los através do processo disciplinar à mesma profiláctica promessa do timoneiro da pátria: que hão-de deixar de fumar, tão arrependidos estarão de terem um dia experimentado as delícias da viciante nicotina. Não, naquelas empresas aproveita-se uma lei deletéria – a que proibe o tabaco em qualquer local fechado – para promover o despedimento dos que carregam o opróbrio de serem fumadores. E eis como uma lei abre as portas, de par em par, a uma lamentável perseguição. Eis como uma lei ostraciza hábitos. Uma lei com a pretensão de alterar hábitos. Assim se molda a sociedade, pela régua e esquadro da lei.

Não sei se seriam previsíveis estes efeitos retumbantes de uma lei persecutória dos fumadores. Já estou a ver os impiedosos críticos da “teologia do mercado” a puxarem os galões. Este episódio será a prova de como os capitalistas são uns oportunistas que se aproveitam de uma lei para despedirem os funcionários que causam uma quebra na produtividade. São oportunistas ao lançarem mão do pior que a lei tem para baterem a porta aos funcionários que não conseguem reprimir o vício durante as horas laborais. A linha argumentativa dos tecedores do anti-mercado irá mais longe: que esta lei é o resultado de uma cumplicidade atroz entre os falsos socialistas no poder e o “patronato”. Aliaram-se para agilizar despedimentos através de uma das consequências da aplicação da lei anti-tabaco.

Como toda a moeda tem o seu reverso, também se pode defender o oportunismo dos sacerdotes da religião anti-mercado. E arranjar argumento contrário: desmerecendo o fantasmagórico conluio entre os falsos socialistas e os capitalistas, que não há-de passar de imaginativa teoria da conspiração. Que a lei anti-tabaco (permita-se-me assim apelidá-la, porque é o que ela é) é o produto da fobia pelo politicamente correcto que enxameia este governo, sem qualquer combinação debaixo da mesa entre ministros e nefandos capitalistas. A lei ofereceu o pretexto para alguns empresários que se acham espertos despedirem aqueles que passaram a ser obrigados a ir a rua sacar do cigarro. Não foi o mercado que perverteu; foi uma lei, o produto de uma política pública, que ofereceu em bandeja a possibilidade dos capitalistas serem oportunistas. A raiz do mal está na lei. Sem ela, os empresários não teriam como despedir quem saísse das instalações da empresa para saciar o vício da nicotina.

As coisas estão de tal modo que foi noticiado que já há empresas que excluem os fumadores em processos de recrutamento. Fazem-no às claras. Com a cobertura de uma lei tão repressora para os fumadores, têm à mão de semear a ferramenta que as autoriza a excluir à partida quem seja fumador. Isto vai incentivar a mentira metódica, com fumadores necessitados de trabalho a esconderem o vício que carregam. Ou então estamos na senda de uma alteração de hábitos, com um acantonamento dos fumadores, quase remetidos para campos de concentração. E as coisas estão de tal modo que os fumadores em espaços fechados para si criados são olhados pelos outros como se fossem exóticos animais em jardim zoológico, alvo da curiosidade dos transeuntes que para eles olham como estranhas criaturas empunhando um cigarro.

Neste assunto sinto-me à vontade: não sou fumador, nunca o fui. A metódica perseguição aos fumadores incomoda-me. Sinto uma irreprimível solidariedade com os fumadores. Por este andar, começam a coleccionar-se pretextos para mais intrusões na esfera individual, a cada passo que iluminados que se acham imbuídos de dotes especiais para conduzirem o rebanho descobrirem mais um reduto de hábitos pessoais que devem ser mudados. As liberdades individuais começam a esfarelar-se diante deste activismo dos engenheiros sociais que chegam ao poder.

No final, é a liberdade como valor que está hipotecada. Só não se percebe a tremenda incoerência em que o Estado mergulha, o mesmo Estado que persegue impiedosamente fumadores e cauciona outras perseguições (como a dos despedimentos que poderão atingir fumadores): por que não tem a coragem de proibir o tabaco? A resposta está diante dos olhos e tem a cor dos cifrões.

Sem comentários: