5.9.08

O “sexo ecológico”


Há pontes curiosas que se tecem. Um exemplo: há alguma afinidade entre a igreja católica e os fundamentalistas do ambiente? Até os desatentos ao que se passa no mundo têm a resposta na ponta da língua: nada – condescendamos, ou muito pouco. Daqui provoco uma resposta alternativa: a igreja e os defensores do meio ambiente têm muito em comum. A começar pelo sacerdócio em que convertem a defesa das suas causas. Podem olhar uns para os outros com desconfiança. Podem até nem se rever nas causas que uns e outros batalham. A ponte que entre eles se tece é essa: uns são sacerdotes, os outros gabam-se do ateísmo e, no entanto, comportam-se como fradescos sem remissão.


Vem isto a propósito de uma daquelas notícias que só seria motivo de surpresa se este mundo não fosse uma surpresa em forma redonda. A filial mexicana da Greenpeace publicou os dez mandamentos para o sexo ecológico. A abrir a prédica, os donos da consciência ecológica do mundo fazem saber que "ser verde nunca foi tão erótico". Ora isto é alterar as coordenadas da bússola por que nos regíamos. Estávamos habituados a associar o erotismo a outras cores, cores mais tórridas (o vermelho) ou insinuantes (o preto). Por demanda dos curas do ambiente, aquelas cores cedem passagem ao verde. Se dizem que "ser verde nunca foi tão erótico", pergunto daqui: e ser erótico é ser verde?


Prossegue o decálogo: como é sabido, o problemático aquecimento global obriga a repensar a maneira como usamos a energia. Devemos ter hábitos de poupança de energia. A inestimável Greenpeace dá o seu contributo, quando a espécie humana se entretém em práticas libidinosas: que o devemos fazer de luz apagada. Atiro daqui outra sugestão, sobretudo para os que preferem o acto sem ser às escuras: ou à luz do dia, que nessa altura existe luz natural. Se a coisa é feita pela noite, a sugestão ecológica é, como dizer, o anti-clímax do erotismo. Ou a insinuação do sexo Braille. Suspeito que os amigos do ambiente estão preocupados com outro tipo de saúde – a sanidade mental de quem se entrega aos "jeux de chambre". É que a saúde mental não se compadece com o atentando à estética que por vezes acorda no outro travesseiro. Daí que se entenda que as luzes estejam apagadas. Não é só para o bem do ambiente.


A meio do documento, a Greenpeace volta-se para outra vertente da nossa sensibilidade ambiental: o consumo de água. Há tempos um grupo de alunos disse-me que quem lhes ensina os rudimentos da ecologia se bateu com galhardia pelos banhos não diários. Talvez seja preferível o odor desagradável das hormonas que libertam o suor. Ou as pessoas encharcarem-se em perfumes, vá-se lá saber. A propósito do sexo ecológico, a Greenpeace aconselha as pessoas a tomarem banho aos pares. Poupa-se água – dizem. Parafraseando o comandante da zona marítima do Algarve (em adaptação da frase que o notabilizou), o problema é que se sabe como começa um banho a dois, só não se sabe é como acaba. Outra interrogação para a gente do ambiente deslindar: e se a parelha leva o banho para o entretenimento sexual e se distrai com isso, continuando a água a escorrer do chuveiro, não acaba o consumo de água por ser mais elevado?


Outro dos dez mandamentos: embalagens recicladas para guardar os preservativos "e outros acessórios" depois de utilizados. Primeira perplexidade, uma ingenuidade mal disfarçada: a que "outros acessórios" se referem? Segunda perplexidade, preocupado com uma incoerência em que a Greenpeace é apanhada: se sugerem que os tais "acessórios" nunca sejam fabricados em PVC, e se aconselham que os lubrificantes (a quem os use) nunca sejam de derivados de petróleo, sempre em homenagem a um ambiente mais limpo, como aceitam a utilização de preservativos se eles são feitos de um material que é inimigo do ambiente?


A Greenpeace devia combater a utilização de preservativos. Assim como assim, já é conhecida como uma seita que parece defender um planeta oásis em que o ser humano fosse dele banido. Se fossem proibidos os preservativos, talvez a SIDA acabasse por extinguir a humanidade – se bem entendo, o desiderato destes sacerdotes do ambiente. Por sinal, a prova cabal de como os sacerdotes do ambiente têm tantas afinidades com os sacerdotes católicos: uns e outros contra os preservativos.


Era o que mais faltava que agora viessem estes sacerdotes juntar-se aos sacerdotes do costume a perorar sobre a sexualidade das gentes. Com o meu sexo ninguém se mete.


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