4.11.08

Generais apenas de quatro estrelas


A tropa anda revoltada. Dizem-se abandonados pelo poder político, que anda de costas voltadas para benesses a que a tropa se habituou. Há dias, alguns porta-vozes do sindicalismo militar vieram a público com insinuações torpes: aconselhavam a repor os privilégios de outrora, ou eles podiam cometer actos tresloucados. Para se perceber melhor a dimensão tresloucada em forma de ameaça, quiseram lembrar à populaça que eles são penhores de um arsenal que mete respeito. Para bom entendedor, meia palavra basta.


Depois, o generalato puxou os galões à solidariedade corporativa e vomitou uns dislates para os microfones da comunicação social. Um deles, que em tempos foi o chefe máximo da tropa, assinou por baixo as insinuações de insubordinação dos militares caso as suas reivindicações esbarrem na insensibilidade de quem governa. Do alto da sua insolência, os insurrectos gabaram-se da presença de vários – e cito – "generais de quatro estrelas". Pelo meio, a encenação em forma de jantarada onde a malta fardada amesendou os seus protestos contra a perda de regalias. Foi nesse dia que o inefável Vasco Lourenço arrotou as costumeiras inanidades e, talvez saudoso dos tempos viçosos do PREC, dos tempos em que ele próprio acreditou que o seu protagonismo ia além da estaleca intelectual, perorou. Para assinar por baixo as ameaças de insubordinação das tropas insatisfeitas. Um aviso ao poder político: são eles que têm as armas; portanto, há que ter cuidado e corresponder às reivindicações desta tropa fandanga, desta tropa com problemas de orientação geográfica - pois eles não pertencem a um país da América Latina.


Nunca lhes terá ocorrido perceber porque têm perdido privilégios – os inaceitáveis privilégios de outros tempos, quando se convenciam que eram uma casta à parte, digna de tratos de polé, não fossem usar as armas para colocarem em sentido quem saísse da linha. Hoje, quem acredita que esta tropa é imprescindível para defender a integridade do território? É uma hipótese remota, hipotética, apenas – a da invasão do território por tropas estrangeiras. Se isso acontecesse, que resistência podia oferecer este arremedo de exército? É que já nem sequer se coloca a interrogação ao nível da capacidade de expulsão dos imaginados invasores. Por hoje, a tropa está acantonada nos quartéis, entretendo-se a exaurir o erário público com patéticos simulacros de guerra que são a suprema excitação do generalato. A tropa ainda não percebeu que o seu papel está desvalorizado, e muito. Como podem querer manter as regalias de outros tempos? Como podem teimar na obscenidade que é o pagamento de uma renda de cem – cem, não errei – euros pelas casinhas que lhes caem em sorte porque se convencionou que merecem a benesse?


Quando li os relatos do convívio gastronómico da tropa, com a bênção dos "generais de quatro estrelas", fiquei intrigado: por que razão ainda não inventaram os generais de cinco estrelas? Estará a tropa um degrau abaixo da proficiência dos hotéis, que, esses sim, já têm há largo tempo direito a ostentar a divisa das cinco estrelas? Os muito medalhados generais, que com tanto garbo ostentam as comendas militares na distinta farda de cerimónia, na sua incapacidade para romper o tecto das quatro estrelas. No fundo, um sinal da mediocridade da tropa. Por mais que subam na carreira, por mais feitos heróicos que distingam o generalato, nunca passam da cepa torta das quatro estrelas. Pobre tropa fandanga.


Apetece glosar Luther King e dizer, "eu tenho um sonho". Um sonho feito por um insólito golpe de Estado. Seria uma golpada da população farta da prosápia dos militares, cansada das torpes insinuações de onde escorrem ameaças de insubordinação. Seria a vez das gentes não armadas se revoltarem contra a tropa, tomando os quartéis, destruindo os inúteis arsenais, deportando as tropas para distantes paragens de onde jamais nos pudessem contaminar com a sua jactância. Que se dedicassem a ser mercenários a soldo de proto-ditadores espalhados pelo mundo, que sempre haverão de existir. Ao menos, podiam fazer o que tanto os excita: combater, descarregar os projécteis das armas, matar gente (e se for gente inocente, não há problema; é a lógica das "vítimas colaterais").


Então, por fim, um ambiente desanuviado, um ar respirável, sem a poluição causada pelas palavras da tropa inconsequente. Não custa sonhar: uma terra melhor sem os desconchavos da tropa.


1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

As cinco estrelas são para os Marechais.
A frase foi desconchavada, mas é um facto que a instituição militar é frequentemente maltratada pelo poder socialista que tem dificuldades de convivência com os conceitos de defesa e segurança.