11.2.09

Em defesa dos ricos


Um naco de heresia, o de quem se apresta a defender os ricos. Logo agora que vozes agoirentas que desdenham do capitalismo passeiam o papo inchado, seguras que o capitalismo tem os dias contados. Logo agora que até um governo que sempre foi pasto para os interesses do "grande capital" faz de conta que vai atacar "os ricos" através dos impostos, querendo que acreditemos que isso não é eleitoralismo inconsequente.


Sigo em frente com a defesa dos ricos. Estou à vontade: não sou avençado de rico algum, nem o património e finanças pessoais me deixam sequer nos arrabaldes da abastança. É herético, mercê da maré caudalosa que acusa os ricos de ganância, a ganância que fermentou a crise. Herético, pois românticos são os nacos de prosa, a respirarem neo-realismo por todos os poros, que mostram com pungência as provações dos pobres. Faz parte de um imaginário vulgarizado: num mundo dicotómico, os pobres são os bons e os ricos são os malévolos que exploram e oprimem os pobres. Marx e discípulos nunca perderam pujança.


Não ignoro que os pobres (metemos lá a classe média?) passam por dificuldades. Como há tantos advogados de defesa dos pobres e quase nenhum em defesa da honra dos ricos, e como não fui feito para engrossar coros vociferantes, eis um manifesto em defesa dos ricos.


Fica mal, aos que são mestres em desancar nos ricos, tomarem todos os abastados pela mesma medida. Esbarra contra o relativismo de que se acham sacerdotes supremos. Longe de mim desviar-me do relativismo – e não há aqui o menor laivo de ironia. Só que as generalizações em que as aves agoirentas do capitalismo laboram são a negação do relativismo que tanto adoram. Sem contar que generalizar é um método muito falível. Se esta generalização estivesse certa, não havia um único capitalista a escapar ao libelo acusador dos que por aí andam, ufanos, convencidos que o funeral do capitalismo já tem data marcada.


A retórica do costume soa a desonestidade intelectual. Os ricos, gente sem escrúpulos, só conseguem endeusar o vil dinheiro que ambicionam acumular de forma obscena. A acumulação material, em si, é uma obscenidade. Lucro, uma palavra diabolizada. Só querem oprimir quem para eles trabalha, sugá-los até ao tutano para desse tutano fazerem o milagre do lucro. Cometem pecados de consumismo que deviam ser objecto de lapidação pública, antes de um método sumamente democrático (a democrática tirania da vontade iluminada dos sacerdotes anti-capitalistas) proibir a produção e venda de objectos que por serem de luxo são supérfluos. A riqueza deveria ser socializada. O ideal, o ideal mesmo, seria a extinção dos ricos. Se fosse a bem tanto melhor, por fim os ricos convencidos de quão abjecto foi terem perfilhado um capitalismo carregado de iniquidades. Caso contrário, seria pela força da baioneta, esse método sumamente democrático.


Eu que não sou rico (muito, mesmo muito longe disso) e, confesso, nada faço na vida para aspirar sequer vir a sê-lo, mete-me confusão este ódio aos ricos. São eles que criam riqueza e, através dela, distribuem riqueza por quem teria que dizer adeus a algum bem-estar caso essa riqueza fosse obnubilada. Há ricos que especulam, como há ricos dados a coisas supérfluas enquanto um exército numeroso de gente passa por dificuldades. O que podemos fazer: invadir a consciência dos ricos que têm pouca "sensibilidade social"? Há um sucedâneo: já que muitos não se voluntariam para o imperativo da solidariedade social, vai à lei do imposto – "sensibilidade social" à força. É a adorável "redistribuição de rendimentos".


Este é o derradeiro modismo do feiticeiro que está à frente do governo. Quer tirar aos ricos para dar aos pobres. Vejam-no, a piscar o olho à esquerda radical, tão sequiosa de mais impostos Robin dos Bosques. Agora o que convém é deixar de amesendar com os ricos, quando lá para trás tanto o gostava de fazer. Faz bem em cavalgar neste populismo enamorado pela demagogia barata. Um dia destes, os ricos decidem fazer a trouxa e ir abalar para outras paragens. Quem fica cá para criar empregos? Quem fica cá para pagar elevados impostos sem os quais a sacrossanta redistribuição em favor dos necessitados é só uma miragem?


Há ricos e ricos. Como há trabalhadores esforçados e outros negligentes. Deviam aprender que as generalizações são um perigoso alçapão. Há capitalistas que envergonham o capitalismo? Pois há – daqueles que, de tão ignaros, alimentam a sobrevivência de marxismos e herdeiros. Também os há honestos, generosos, preocupados com os trabalhadores que estão o seu serviço. Gente que tem conseguido multiplicar dinheiro. Que é investido em novas empresas, novos empregos que se inventam, mais bem-estar por quem dele estava arredio.


Como os ricos são o saco de pancada preferido da turba, achei ser o momento certo para lhes prestar a minha homenagem.

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