17.3.09

Quando a segurança social não consegue garantir o seu fim, é o fim da segurança social


De acordo com um estudo da OCDE, daqui a vinte anos teremos direito a receber uma pensão de reforma igual a 54% do último salário. Quando chegar a altura da minha geração retirar os proveitos de uma vida de descontos, só nos há-de ser garantido pouco mais de metade do que foi prometido ao longo de uma vida de trabalho.


Uma segurança social incapaz de garantir o seu objecto é uma segurança social que ainda faz sentido? A pergunta tem outra formulação, mais ríspida: para que andamos a fazer descontos para a segurança social se nos avisam que na idade de reforma teremos direito a recolher pouco mais de metade se as obrigações da segurança social em relação às gerações actuais fossem cumpridas?


No turbilhão de reacções que o estudo da OCDE provocou, o improvável ministro da tutela asseverou, com a maior das tranquilidades, que o problema não é um problema. Apressou-se a tirar da cartola três possibilidades para diluir o problema: ou aceitamos descontar um pouco mais ao longo da vida activa, ou aceitamos prolongar a vida activa e adiar a reforma, ou contratamos o famoso PPR que o Estado comercializa.


Vamos por partes. Se a segurança social está à beira da falência e não vai ser capaz de cumprir o contrato que celebrou, à força de lei, com a minha geração, quem nos garante que o PPR público não está destinado ao mesmo insucesso? A última hipótese fica varrida do horizonte. As outras duas possibilidades seriam matéria-prima para um programa de humor, não tivessem as palavras apaziguadoras do futuro sombrio sido proferidas por um responsável que as tingiu com uma assombrosa irresponsabilidade. O homem disse-o, como quem aconselhava qualquer pessoa a não cumprir um contrato por si assinado: ou descontamos mais, ou trabalhamos mais.


Primeira razão para a água transbordar do copo: se descontarmos mais, quem garante que nos alvores da reforma teremos direito a receber a pensão de reforma como recebem os actuais reformados? O mal está feito: uma vez rompida a confiança, o que fica a pesar é a eterna desconfiança. Segunda razão para ficar boquiaberto diante das palavras pateticamente tranquilizadoras do ministro: o homem disse que não vem grande mal ao mundo se prolongarmos a vida profissional, pois assim descontamos mais anos e o problema fica resolvido. Até disse, imerso num desplante de que não terá dado conta, que assim como assim a esperança de vida vai aumentando (supõe-se, por arte e diligência da magnífica governação socialista, pois até já fabricaram uma lei que impõe o pão insosso e corta pela raiz os enfartes e AVC). Pergunto daqui: quando a minha geração começou a descontar, a idade de reforma não estava fixada, e por lei, nos sessenta e cinco anos? O que se chama a mudar as regras a meio do jogo? Frustração de expectativas ou, poderei arriscar, batota? À pergunta sacramental: quem pode confiar nesta segurança social e em quem dá a cara pelas garantias que esperamos da segurança social?


Talvez alguém devesse explicar ao irresponsável ministro que a segurança social tem alicerces. Se esses alicerces forem derrubados, é toda a segurança social que fica em causa. Um dos esteios é a natureza cumulativa dos descontos e do direito a receber pensões de reforma. Uma geração anda a descontar para ter a garantia que recebe a pensão de reforma quando estiver na altura de parar de trabalhar. Mas há uma parte das pensões de reforma suportada pelas gerações em idade activa. Ou seja, o contrato social entre o Estado e uma geração não vai ser respeitado. A minha geração, que andará uma vida inteira a descontar para a segurança social e a suportar em parte as pensões de reforma dos actuais reformados, ficará de mão estendida quando chegar a altura de receber a pensão de reforma. Lá se vai a solidariedade inter-geracional. Quando assim é, a segurança social deixa de ser capaz de assegurar a sua finalidade. E perde razão de ser.


Quem ficou a esfregar as mãos de contentamento foram os bancos e as companhias de seguros. Agora é que vai ser uma correria aos PPR – aos PPR genuínos, àqueles em que podemos mesmo confiar.

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