6.4.09

Bater nos pequeninos, é tão fácil


Havia aqueles mariolas, todos gabarolas, que espalhavam a sua soberba superioridade entre os demais. Eram maiores que os outros meninos e faziam gala do tamanho para chamarem a si um reino. A brutalidade andava a par com muita ignorância – afinal a ignorância que explicava porque ficavam para trás, juntando-se a uma turma de meninos mais pequenos. Talvez essa ausente inteligência fosse o mote para o terror espalhado entre os pequenotes que, lá do sítio onde se refugiava a sua pequenez, se resignavam aos caprichos do tiranete.


Só que um dia um dos pequenotes, farto dos abusos, trouxe à escola o primo mais velho. Que tinha o dobro do tamanho do gigante, que então deixara de o ser. De repente, a coragem esfumou-se diante da altura do outro, maior que a dele. Expondo toda a sua bravura e coragem física; meteu o rabo entre as pernas diante da altura do outro. Bater nos mais pequenos, lá isso é que era fácil.


Lembrei-me disto ao ver a espectacularidade de uma operação stop montada pela GNR, que interceptou uns autocarros pejados de acnosos adolescentes a caminho de Espanha, excitados com o passeio de finalistas. Por acaso, só mesmo por acaso, naquela altura estavam a passar uns carros da televisão que filmaram tudo. Ai de quem diga que se tratou de uma encenação para inglês ver, pois assim se aprende que vivemos em segurança, resguardados pela diligente guarda republicana; nestes dias de muita sensibilidade à flor da pele entre a gente que governa, nunca se sabe se a dúvida sobre a operação da GNR não é razão de sobra para um processo por difamação.


No rescaldo da operação, a guarda republicana conseguiu apreender um punhado de haxixe que os ganapos tinham emalado para tornar o passeio numa festarola ainda maior. E fez-se gala disto, como se a zelosa GNR houvesse feito uma apreensão de droga daquelas que costumam dar direito à montagem do estamine para saciar os olhos da gente que gosta de tranquilidade e segurança, ali com os montinhos de droga entaramelados com muitas notas de gordo valor e armas e chaves de automóveis de gama alta. Mas não. Foram uns gramas de haxixe, que nem eram para tráfico, só para consumo dos borbulhantes adolescentes em pulgas para montarem a festança assim que desembarcassem na costa espanhola.


Eu vi aquilo, os senhores agentes da guarda republicana em atarefada lida e pose repleta de seriedade, e assentei a poeira das preocupações. A prova da competência estava dada ali, algures numa estrada a caminho da fronteira onde interceptaram os autocarros que transportavam tão perigosos meliantes. E, sinal dos tempos, entalados na reforma os habitualmente patuscos agentes da GNR, barrigudos e de farfalhudo bigode, quando muito ostentando uma quarta classe tirada à martelada. Agora temos agentes mais jovens, sem a face ruborizada pelo bagaço bebido ao pequeno-almoço, que já nem sequer se atropelam (tanto) com a gramática e a sintaxe como os seus antecessores. Gente muito profissional, que nem desvia o olhar das tarefas que lhes competem por estarem diante das câmaras da televisão, tão concentrados se encontram na importantíssima missão de descobrir uns míseros gramas de haxixe. Quem pode o menos decerto é capaz do máximo. O povo que se sossegue. Não há meliantes que resistam à proficiência de uma guarda republicana tão zelosa, tão eficaz, tão espectacular.


Outra vez: não sei se posso, porque isto anda perigoso e o timoneiro da pátria, tão ofendido quando alguém opina em seu desfavor, anda a processar a torto e a direito; não sei se posso especular só para interrogar se não isto não faz parte de uma campanha do bando de ineptos para, comme d'habitude nos ineptos, fazer gala com o acessório e deixar para segundas núpcias o essencial. Desconfio. Por ver as câmaras da televisão por perto. E, já agora que se especula, como terá a eficiente GNR sabido que naqueles autocarros se fazia transportar tão elevada dose de haxixe? Cá vai uma teoria (da conspiração): entre os turistas a caminho da algazarra, um jovem que é filho de um militante da confraria do governo, este último em bicos de pés, ansioso por uma sinecura mais elevada. Esse jovenzinho foi o delator.

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