22.5.09

Consumimos, ou deixamos de ser consumistas?


Os gurus da economia deviam atinar das ideias. Já não digo que não teimem na sua particular língua de trapos para explicar aos néscios o que os néscios, por causa da língua de trapos, jamais perceberão. Proponho que se orientem de vez. Por sentir que andam desorientados.


O fantasma da crise cresce de dimensões a cada semana que passa. É por causa disso que o cidadão anda interessado na economia como nunca dantes andou. Pois a crise ameaça ir ao seu bolso de forma catastrófica. Não admira que as gentes afinem a audição quando aparecem economistas, sempre em pose grave, a perorar sobre a crise. Porventura ficarão mais deprimidos: continuam a sentir a crise a cercá-los, ameaçadora; e ficam a saber menos de economia, comparando com o véu de ignorância que os cobria antes de ouvirem as ininteligíveis explicações de doutos economistas.


Como se fosse um inculto de economia: há uns meses, antes da crise saltar as paredes da barragem que continha os sedimentos da bonança, profetas da desgraça avisaram para o que haveria de acontecer. Andávamos inebriados por consumo excessivo, financiado pela pretensa generosidade dos bancos que emprestavam dinheiro que não existia. A bolha rebentou, os bancos começaram a falir, a confiança na economia despenhou-se. O dinheiro escasseou. E sem dinheiro não há vícios. A produção das empresas sofreu quebras dramáticas, inundando os centros de emprego com desempregados. Outro golpe na economia: ainda menos confiança, menos consumo, e menos produção e mais desemprego – tudo em espiral.


Os economistas proclamaram: "recessão". E mais outra boutade para o cidadão comum: "crescimento económico negativo". Como se fosse possível subir para baixo – se diminui, como há quem chame a esse fenómeno "crescimento"? O fantasma que se perfilava a seguir era o da deflação (ou, pela mesma senda dos eufemismos virados do avesso, inflação negativa). A economia está profundamente doente. E agrava os sintomas a cada semana que passa, com sucessivas revisões das previsões, que depressa ficam desactualizadas. Os analistas andam pelos cabelos, pois a incerteza esfrangalha os seus muito científicos modelos econométricos cheios de presciência que se esvazia em nada.


Os salvadores que julgam poder tirar a economia do estado comatoso congeminaram uma sequência de medidas que, a julgar pelas receitas tradicionais, serão a cura para a demorada doença. A julgar pela experiência do passado (e a história é repetível?), a economia precisa de receber injecções de confiança. As pessoas e as empresas têm que voltar a consumir. Só assim se inverte o ciclo vicioso em que a economia mergulhou, o ciclo vicioso que afunda ainda mais a economia numa crise medonha. Os comparsas mobilizam-se: os bancos centrais puxam as taxas de juro para próximo do zero, tornando o dinheiro muito barato; os governos usam da folga nos orçamentos para lançar dinheiro de cima de um helicóptero, como se esse dinheiro não tivesse que ser pago algures no futuro. Esperam que as empresas façam mais investimentos e criem empregos que absorvam o exército de desempregados. E que, de seguida, os que estavam desempregados e deixaram de o estar comecem a comprar coisas, e muitas, juntando-se aos que nunca perderam os empregos mas que tinham receio de continuar a consumir.


É o verbo da ordem – consumir. Ora, o ignorante destas coisas da economia coça a cabeça, interrogando-se: em que ficamos, vou consumir mais ou devo lembrar o puxão de orelhas dos sacerdotes da nova moralidade que, não há muito tempo, condenavam o consumismo? Convinha que os economistas, e os políticos por eles convencidos, se decidissem. Para sabermos se é pecaminoso ser-se consumista, ou se agora que a crise grita tão alto devemos esquecer a moral anti-consumista para desatar a comprar tudo e mais alguma coisa com o dinheiro barato que os bancos têm para emprestar. Parece que a bússola está avariada, a crer pela desorientação dos gurus da economia.


Era bom que os olhos alcançassem para além do amanhã imediato. Eis o meu temor: com a fobia do dinheiro barato e o convite ao consumismo, que um dia destes a maldita inflação gigantesca venha bater à nossa porta. Os economistas podiam ser sensatos e explicar que podemos não morrer desta doença; mas que a cura para ela pode inocular a próxima doença. Talvez uma doença mais catastrófica.

1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

Mais do que a inflação que poderá vir, aflige-me o déficit que o Governo nos impinge alegremente para pagar os seus devaneios eleitoralistas e que dentro de 2 anos nos fará pagar impiedosamente.
A incontinência do Estado cada vez me repugna mais!