29.7.09

E se a esquerda caviar aterrasse no cadeirão do poder?


Consta que este pedaço de terra que fica nos confins da Europa ocidental, bordejado pelo furioso Atlântico lambido por enraivecidas rajadas de vento, é caso único na geografia europeia: os dois partidos da extrema-esquerda conseguiram 20% dos votos nas últimas eleições europeias. Este é o mote para ter um sonho (em rigor: um pesadelo) de olhos abertos. E imaginar o que teríamos se a extrema-esquerda caviar algum dia amesendasse no apetecível cadeirão do poder.


Vem isto a propósito de algumas ideias – como direi? – extravagantes que desfilam através da febril imaginação de dirigentes do Bloco de Esquerda (BE). Há semanas, o fradesco líder do conglomerado de partidos de extrema-esquerda sentenciou, com aquele ar cheio de certezas que sequer merecem um ai de contestação, que empresas com lucros deviam ser proibidas de meter trabalhadores no fundo de desemprego. Para hoje estava reservada outra preciosidade: o candidato à câmara de Lisboa acordou de um sonho muito revolucionário e decidiu tirar o dia para embirrar com condomínios fechados. Que também deviam ser proibidos por lei.


Estou cansado de ler e escutar o interminável manancial de demagogia dos partidos políticos. Sem excepção que se aproveite. Dirão: é a sua função. Como podem captar votos se não apresentarem ideias, se não fizerem promessas que, fossem cumpridas, fariam desta terra um paraíso? Escusado era o exagero na demagogia. Propostas, quem as não tem? Difícil é convencer as gentes que as propostas têm condições para prosperar. Nisto, a extrema-esquerda caviar vence os outros aos pontos – até os que, mandaria a lógica, deviam ser campeões da demagogia (os partidos do bloco central).


Às lustrosas ideias que os estrategas do BE apresentaram nos últimos tempos. Propõe a extrema-esquerda caviar, enfaticamente, que as empresas com lucros sejam proibidas de efectuar despedimentos. Proibidas por lei. Ou seja: a gestão das empresas seria nacionalizada. Contudo, o fradesco líder, quando proferiu solene anúncio de que as coisas assim deviam ser, esqueceu-se de esclarecer alguns detalhes importantes. Primeiro: o conselho de administração passaria a incluir um apêndice em representação do Estado, para vigiar de perto a gestão da empresa e evitar a batota dos despedimentos nas empresas com lucro? Os departamentos de recursos humanos passariam a ser geridos por sindicalistas? Porventura não se terá dado conta que seria prudente a uma empresa declarar prejuízos, pois não ficava impedida de despedir trabalhadores se isso fosse adequado à sobrevivência da empresa. Ensinam os calhamaços do direito que uma proibição só é eficaz se trouxer de arrasto uma sanção. O que me traz a outro lapso do guru de muita burguesia jovem e citadina: que penalização pensou para as empresas lucrativas caso fizessem tábua rasa da proibição e desatassem a despedir trabalhadores? Seriam nacionalizadas? Os lucros seriam abocanhados por um fisco devorador? Os gestores iam malhar com os ossos à cadeia? Nada e mais nada, foi a revelação daquela conferência de imprensa.


Hoje, ensejo para travar conhecimento com uma maravilhosa ideia: a ruiva, barbuda personagem que concorre à câmara de Lisboa decidiu que os condomínios fechados deviam ser proibidos por lei. Outra proibição. E, mais uma vez, a alergia congénita aos sinais exteriores de riqueza. Daqui, um desafio: por que não propõem a proibição da riqueza? E, já agora, o próprio dinheiro – a raiz de todos os males? Prometam que, caso algum dia cheirem o cadeirão do poder, ordenam a expropriação dos lucros das empresas. Ai o lucro, o nefando lucro, que rima com o pior dos instintos do ser humano – ser capitalista, o que quadra na equação com ganância e insensibilidade social.


Juro: gostava que fosse possível ver as coisas como se elas se passassem num filme de ficção científica. Só para ter a excitante sensação de ver a extrema-esquerda caviar a tomar posse num governo de coligação com quem agora está desavinda. Só para os ver a traírem a sua identidade genética. E só para ver se tinham coragem para impor ao parceiro do governo as revolucionárias medidas que por aí andam a exortar. Gostava de ver. Mas apenas numa tela que fosse toda de ficção científica.

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