4.8.09

Rosa-dos-ventos


Ter uma na mão – ou, melhor, ter uma embutida dentro do corpo. Como se fôssemos aqueles pássaros que se orientam magicamente, sem erros de trajectória, com uma precisão desarmante. É que nos dizem que devemos saber para onde vamos.


Só que antes de sabermos para onde vamos temos que descobrir um critério de escolha. Eis a interrogação excruciante: por que vamos para onde queremos ir? Para o efeito, necessário seria uma outra rosa-dos-ventos, mais sofisticada, apta a responder à interrogação. O desafio maior não é saber como chegamos onde queremos aportar; é entender se aquele é o destino pródigo. O mal acontece quando, ao cabo de árdua viagem e ao fim de algum tempo, o lugar traçado na rosa-dos-ventos se revela um logro. O pior de tudo é que não há rosas-dos-ventos que consigam dar resposta à pergunta das perguntas – por que vamos para onde queremos ir?


Talvez assentar um lugar importante ao instinto iluda a angústia. Pode haver prévia indagação do destino idealizado, com uma volúpia de informação que se julga capaz para substituir a tal rosa-dos-ventos que não existe. As pessoas até se podem capacitar que possuem dotes premonitórios, convencendo-se da infalibilidade da rota escolhida. Mas não há nada que garanta que o lugar a que escolheram aportar seja o lugar que entenderam procurar. As rosas-dos-ventos conhecidas não suportam a prenunciadora função. Resta a experimentação. E a acomodação. Ou seja, abrir a janela aos instintos que vogam em cada momento.


Talvez então se entenda que a rosa-dos-ventos é só um instrumento. Não, como muitos julgam, a varinha ungida com mágicos predicados que assegura a conformidade do lugar escolhido. Só tem serventia para conduzir até ao sítio eleito. Lá chegados, a rosa-dos-ventos – aquela rosa-dos-ventos – pertence ao baú das inutilidades. Chegar ao destino não é o corolário de uma aventura, como tantas vezes se convencem as pessoas. É apenas o começo da aventura. A seguir impõe-se descobrir o novo lugar. Esquadrinhá-lo, sentir a espessura do chão que é pisado, tomar o pulso aos nativos – porventura para que os forasteiros se tornem nativos dobrado algum tempo de estadia. E a rosa-dos-ventos nada ensina sobre a experimentação, sobre este movimento táctil constante que ilumina a candeia transportada pelos forasteiros acabados de chegar. A candeia que impede que fiquem às escuras no destino em que fundearam.


A experimentação traz consigo a acomodação. Não há rosa-dos-ventos que ensine esta aprendizagem. Nem a aprendizagem do novo lugar é linear. Varia com os lugares. Umas vezes é fácil, outras vezes é difícil entender as idiossincrasias locais. Toda a complexidade cavalga em si mesma quando vem adicionada da riqueza da complexidade da espécie: as pessoas são tão diferentes que para umas a adaptação é fácil, para outras é dolorosa tarefa, para outras ainda nunca chega a acontecer. Não há diligência de inventores que consiga idealizar uma pessoal rosa-dos-ventos que considere esta revoada de diferenças.


Talvez esteja aí a explicação: afinal, em cada um de nós habita uma rosa-dos-ventos afinada pelas necessidades. Não seremos tão diferentes dos pássaros que voam com uma precisão milimétrica para um destino qualquer. Só não temos a mesma precisão na rosa-dos-ventos que trazemos, sem o sabermos, embutida.


(Em Tavira)

1 comentário:

Anónimo disse...

Meteram isto a cores