3.12.09

Passamos a ser piratas no Gerês



Por causa de uma estapafúrdia lei deste Estado socialista que é, a cada passo, uma asfixia inteira que nos cerca com mil e uma regulamentações de tudo e mais alguma coisa. Das regulamentações que acabam invariavelmente por cercear liberdades. Agora lembraram-se de exigir duzentos euros – duzentos! – a quem se aventure em actividades no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Estando na moda, pelas más razões, a pirataria marítima no Índico, que tem levado os bravos da marinha lusitana a aprisionar piratas e a entregá-los às autoridades das Seychelles, daqui proponho um levantamento aos habitués do Gerês: sejamos piratas no Gerês.

Algumas interrogações para incomodar: por que se limita desta forma o acesso ao coração do Gerês? Terá sido um burocrata qualquer que, por sua auto-recreação, só para ostentar o poder que a imaginária farda lhe confere, um dia acordou e se lembrou de fazer pirraça com os genuínos amantes do Gerês? Ou terá sido o mesmo burocrata, a mando de zelosos sacerdotes da ecologia, que decretou esta restrição aos genuínos amantes do Gerês? É que de uma restrição se trata: alguém no seu juízo vai pagar duzentos euros se quiser fazer uma caminhada pelas brandas nas alturas da serrania?

Exigir duzentos euros para quem se quer enfronhar nos segredos do Gerês não é uma proibição – dirão os legalistas. Pode não ser proibido por lei, mas impor esta exigência pecuniária é uma forma traiçoeira de dizer aos verdadeiros amantes do Gerês para irem conviver com a natureza para outros lugares. Se os autores morais desta aberração foram os meirinhos da protecção do ambiente, desconfio que tudo o que estes invejosos quiseram foi espantar a concorrência, enxotar da serra os genuínos amantes do Gerês. Para transformarem o Gerês numa coutada que só eles podem pisar gratuitamente. Lá estarão convencidos que só eles sabem pisar o Gerês como deve ser.

Pelo que sei (por alguns amigos que são genuínos amantes do Gerês e pela leitura de textos da lavra de pessoas que conhecem o parque como a palma das suas mãos), os habitués da serra até estão mais interessados em preservá-la do que os habitantes da ecologia fundamentalista. O povaréu incauto, que lança detritos do piquenique no meio da mata com uma normalidade exasperante, não se embrenha nos recantos escondidos da serra. Os que estão habituados a fazer caminhadas nos caminhos palmilhados pelos pastores respeitam o ecossistema, conhecem-no bem mesmo sem saberem da poda como os ecologistas teoricamente sabem. Diante desta imbecil ideia, quem acredita no apelo para abraçarmos a natureza em estádio virgem, fugindo ocasionalmente do bulício urbano, se ainda temos que pagar duzentos euros pelo (luxuoso, pelos vistos) privilégio?

Há gente que mergulha nas profundezas da serra para se oxigenar. Exigir duzentos euros para este balsâmico exercício é uma castração ao pior estilo socialista. Esta gente não governa para as pessoas, governa para o seu umbigo. É gente perigosa, que merece ser varrida do mapa. Se o crânio responsável pela ideia não foi demitido pelo ministro, que alguém demita o ministro (e por aí acima).

Admito que a desobediência civil é acarinhada pelas esquerdas folclóricas e totalitárias de que estou nos antípodas. Contudo, ao ver a pesporrência com que senhores que açambarcaram o poder ditam da ponta do lápis leis absurdas que cortam a eito nas liberdades, a única mensagem que apetece deixar é esta: amantes do Gerês, à desobediência civil. Sejam piratas pacíficos. Treinem a destreza física para fugirem das brigadas que vos perseguirem pelos caminhos atravancados da serra. Tragam amigos que nunca frequentaram o Gerês para serem uma multidão a exigir uma reacção militarista e desproporcionada das totalitárias autoridades. Recusem-se a pagar a multa quando não conseguirem escapar à perseguição policial. Rasguem a notificação da multa na cara do agente da autoridade. Não se atemorizem pela convocatória para deporem em tribunal.

Quem se há-de cobrir de ridículo são aqueles que deram caução à ominosa lei. Até que percebam o ridículo que os cobre – e os danos que isso faz à sagrada vaca que é a imagem pública que tanto trabalham – e retirem a lei para as catacumbas de onde nunca devia ter saído.

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