7.1.10

Nus, em nome da segurança



Sempre a empinar. Um monte inclinado que, todavia, não é obstáculo para a exibição de poder. É um paradoxo: quando mais empina a subida, mais firme é o pulso das polícias. Um atentado abortado (dirão os condescendentes: por sorte, ou por causa da inépcia do fracassado terrorista) e já somos esmagados pelo trote avassalador das medidas de segurança. Eu cá desconfio que a segurança é um pretexto. Só um pretexto para a ostentação de autoridade que já não se distingue do arbitrário autoritarismo.

A tecnologia de despistagem dos fanáticos terroristas aéreos voa mais depressa do que os aviões. Agora vão ser instalados scanners corporais em muitos aeroportos. Não há melhor convite ao voyeurismo dos funcionários. A imagem filtrada pelo scanner é um nu integral do passageiro que cometeu a ousadia de querer viajar de um lado para o outro. Aparecemos nus aos olhos dos zelosos e decerto não castrados quimicamente funcionários que controlam a entrada de passageiros na zona reservada do aeroporto. Nem que me garantissem que eles eram eunucos e elas frígidas era capaz de dar de barato o assalto à nossa intimidade quando desaguamos num aeroporto. Nisto da minha nudez, sou muito selectivo na escolha dos espectadores.

Mais um avanço da histeria securitária. Progride, atropelando direitos que se julgavam fundamentais. Direitos que – julgávamos, tão inocentes somos – seriam a marca de água da "civilização" de que nos ufanamos. Houve passageiros que, interpelados pelos jornalistas, anuíram no seu desnudamento através do scanner. Trocam intimidade por segurança aérea; pela lente utilitarista, quem os pode censurar? Todavia, estranho o conceito: da última vez que dei conta, quem mostrava o corpo desnudado a troco de uma compensação engrossava as estatísticas da "profissão mais velha do mundo".

Admito que falta um ingrediente ao conceito. Quem se desnuda em troca de segurança não recebe dinheiro em troca. Mas recebe – ou admite estar a contribuir para que lhe garantam – segurança. Pois nenhum terrorista conseguirá escapar à cirúrgica inspecção das entranhas corporais, ali todas expostas no scanner multicolorido controlado pelo zeloso funcionário. Aceitam ficar nus porque que lhes garantem que não têm a companhia de um fanático disposto a estoirar o avião. A malta do direito, com a habitual mania de se expressar através de uma língua de trapos, chama a isto um "sinalagma". A prostituição também é sinalagmática…

Quando vemos as autoridades a treparem o monte, parece que a montanha é infinita. Há sempre mais um degrau que ainda não tinha sido derrotado, mesmo quando parecia que o sopé da montanha havia sido conquistado. Qual é o passo seguinte? Qual é a próxima invenção que embeleza outro atropelamento dos direitos fundamentais? Obrigarem-nos a despir à frente dos demais passageiros se desconfiarem que transportamos qualquer substância suspeita agarrada ao corpo?

Já nem sei o mais que isto custa: se a privação de mais uma liberdade por imperativos de segurança (que começa a atingir foros de histeria); ou a capitulação diante dos fanáticos terroristas, pois de cada vez que se limitam direitos fundamentais caímos na armadilha que os fanáticos nos prepararam. Os outrora solenemente proclamados direitos fundamentais não hão-de passar de uma formalidade, fogo-fátuo para inglês ver. Nessa altura, já pouco nos distinguirá dos terroristas que trapacearam as autoridades deste lado, que caíram, ingénuas, no logro montado pelos fanáticos.

Sem espalharem muito terror (esta é a reacção a um atentado fracassado), os terroristas já ganharam esta guerra cega, surda e absurda. E nem nos apercebemos da derrota, tão entretidos a acenar com a cabeça em tom de aprovação quando as autoridades anunciam que vamos ser passados a pente fino à entrada dos aeroportos, a nossa nudez sordidamente espiolhada. Tudo com a maior das naturalidades, embrulhando a medida num pretenso estado de emergência só para calar os mais rebeldes.

Um dia destes, será tão natural como o oxigénio que respiramos ter câmaras espiãs até nas casas de banho públicas, mesmo nas zonas onde a intimidade se esconde do público. E o mais que os doentiamente criativos servos da segurança pública tirarem da cartola. Onde ficam os direitos fundamentais no meio desta trapalhada? Em vias de extinção.

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