19.5.10

Dropes de filosofia



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Há sempre uma espectacularidade prometida na pompa dos anúncios. O que se anunciava anteontem na Fundação de Serralves era a presença de um dos (disse-o o organizador da palestra) “vinte e cinco pensadores mais influentes da contemporaneidade”: Daniel Innerarity. Vinha falar sobre o futuro – o que, para quem anda por dentro da ciência e desconhece a obra do filósofo, causava alguma urticária intelectual.
Innerarity começou por glosar Teixeira de Pascoaes: “saudades do futuro”. Estava encantado com a frase do poeta amarantino. Mais tarde, citando Einstein (“nunca saí do futuro”), convidou a audiência a considerar o cientista e o poeta gémeos intelectuais. Devemos cuidar do futuro porque os dias vindouros perdem-se na alucinada fobia do presente. Trazemos do passado as irrelevâncias que enxameiam o presente. Quem apoucar o futuro não honra o tempo presente em que vive. No seu diagnóstico pessimista, a nossa patologia é vivermos empenhados ao presente. Como se o tempo se esgotasse no dia que finda. Para Innerarity, a doença teria osmose num sintoma de outra doença maior, fatal: “expropriamos o futuro dos outros”, advertiu. Os “outros” desta fórmula são os que pertencem ao amanhã. “Nós”, os de agora, possuídos por uma egoísta ausência de lucidez do tempo vindouro.
O filósofo tempera o pessimismo da análise com a terapêutica necessária: impõe-se a “colectivização do tempo futuro”. Primeiro, através da redefinição das prioridades temporais da agenda política, que se deve orientar para o longo prazo. Segundo, inventariando o conceito de “responsabilidade futura”. Oxalá que o pouco tempo em que encamisou a sua comunicação (foi passando à frente várias folhas onde tinha o esboço da palestra) tivesse permitido elaborar a ideia. Sobretudo as consequências da “responsabilidade futura”: os irresponsáveis perante o futuro teriam que sofrer sanções (e duras, adivinho daqui) para tornar eficaz a “responsabilidade futura”. Senão, era só um conceito desprovido de conteúdo. Terceiro, desafiou as universidades e os centros de investigação a apostarem na investigação prospectiva. Um desafio por dentro do desafio: seria imperativo repensar os cânones da investigação científica, rever o tabu da especulação com o futuro.
Fui às escuras para a palestra, por desconhecimento da obra de Innerarity. Talvez tenha sido melhor assim. O ponto de partida não coincidia com ideias preconcebidas sobre o filósofo. Não confirmei o que se anunciava com tanta pompa na apresentação encomiástica de Innerarity. Talvez tenha sido inovadora a forma como foram expostas ideias que já me eram conhecidas. Innerarity atirou-se furiosamente contra a navegação errante dos governos, com a sua indisponibilidade (que é pior do que considerar incapacidade) para lidarem com o futuro – com as consequências projectadas para o futuro das decisões que tomam hoje. Usou fórmulas elegantes e criativas, como descobrir nesta patologia moderna uma “coligação dos vivos contra o futuro dos de amanhã”.
Não venho em defesa dos economistas (de alguns economistas), que é ciência que faz uma travessia no deserto recolhendo as sobras da crise onde a sua credibilidade científica foi despojada. Propostas feitas por economistas eram a filosofia de Innerarity antes de se tornar a filosofia de Innerarity. O que o filósofo basco propôs em abono da sua filosofia de honra ao futuro foi a sanidade das contas públicas que alguns economistas trazem na algibeira há muito tempo. E Innerarity, terá lido aqueles economistas?
A palestra foi interessante, contudo. Mas ficou aquém da promessa de quimeras intelectuais feita na apresentação do orador. Afinal, os economistas (alguns economistas – a ênfase não é inocente) já tinham descoberto a filosofia de Innerarity antes de Innerarity. Ironia do destino, o economista da moda (Krugman, Nobel do ano passado), que andou ajuramentado à antítese da filosofia de Innerarity, deve, por estes dias, ter metido a viola no saco. A homenagem ao futuro leva a meter Keynes nas catacumbas outra vez. Se aprendemos algo com Innerarity, o filósofo da moda, é que, ao contrário de Keynes, “no longo prazo (não) estamos todos mortos”.

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