31.5.10

Pentear macacos


In http://www.dgabc.com.br/2008/files/noticia/5770357.JPG
Ah, a tanta prosápia que mascara a indigência. O saltimbanco dá à perna do piadismo fácil. Estamos nas águas do engraçadismo. Os vorazes revólveres da inteligência rasteira em acelerada função. Trocadilhos que se encenam em arremedos de soberba intelectual deixam-nos inertes. Devíamos (mas não conseguimos) ter a seguinte reacção: uns segundos de hesitação para a massa cinzenta digerir as palavras que se compõem no trocadilho; o fim da hesitação naquele clique que devolve o entendimento; por fim, devíamos – mas não fazemos – esboçar um sorriso ao mesmo tempo que aplaudíamos a notável exibição de intelecto.
Eu concordo que o melhor humor é o inteligente. É o mais difícil. Não só de fazer; também de fazer compreender em quem seja seu destinatário. E como o humor anda na moda (nada contra, por sinal, que andamos precisados de boa disposição para esquecer o resto), um dia destes os candidatos a humoristas excedem a população residente.
Os engraçados que transpiram por todos os poros uma boa disposição contagiante esmagam-nos com manifestações de humor subtil. Jogam com as palavras, como se estivessem a fornecer as pistas para as palavras cruzadas que somos convidados a decifrar se quisermos entender o seu subtil humor. À saída do cruzamento, se somos esmagados é pela tremenda indigência mental de quem se quer fazer passar por mente brilhante. Há gente que peca por falar. Na sua boca, as palavras envenenam-se no armadilha do humor mal amanhado – do humor sem h. Acham-se engraçados, mas o que são é desastrados.
Quatro dias em viagem, sulcando estradas sinuosas enquanto entravam pelos ouvidos as patranhas de inteligência debitadas por radialistas convencidos do seu engraçadismo, tem este efeito de convalescença ao contrário. Os radialistas (armados em jornalistas) apostam no estilo descontraído. O relaxe através das piadas entre eles, do puzzle de palavras que funcionava como palavras cruzadas só ao alcance da destreza de alguns. A acumulação de momentos ímpares de esmagamento intelectual: os trocadilhos para impressionar, do lado de lá os ouvintes numa espécie de competição invisível através dos segundos gastos para decifrar a charada impregnada de discreto humor. Os “jornalistas” diriam, em sua defesa, que faz parte do “estilo aligeirado”. Talvez seja melhor, nem que sacrifique a objectividade e o profissionalismo. A menos que os pontos cardeais da profissão tenham sido redesenhados e eu não dei conta.
Talvez estejamos a precisar destes radialistas encartados no humor de pacotilha para outras coberturas jornalísticas. De eleições, por exemplo. Fariam furor. Para palhaço, palhaço e meio. Muito caminho já foi rasgado. Aqueles radialistas pertencem a uma estação pública que trata com seriedade a cobertura de eventos sérios. Está bom de ver, naqueles quatro dias acompanhei um evento – como direi? – “pouco sério”. Se por “pouco sério” se traduzir a palavra “ócio”. O ócio merece tratamento jornalístico aligeirado, carregado de humor e, de preferência, “humor inteligente”.
Não venham com a ladainha do costume, que com coisa sérias não se parodia. Que as eleições são tão importante que não se compadecem com uma cobertura aligeirada, vestida dos pés à cabeça com o tal humor supostamente inteligente. Eu apostava que aqueles radialistas fariam furor na cobertura de noites eleitorais. Por causa da lógica dos palhaços emparelhados.

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