4.6.10

Aprende-se todos os dias


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O ministro das finanças deu a conhecer mais uma peça do seu impressionante pensamento. O homem deve andar aflito, a fazer as contas todos os dias. Rapa o fundo do tacho, mas não às despesas. Que as regalias da monstruosidade que é máquina do Estado não podem ser muito beliscadas. Rapa o fundo do tacho aos nossos bolsos, através dos impostos mais elevados que, em pose de imperativo patriótico, diz que devemos pagar. Pelo meio, enterra-se numa profunda desorientação.
Eis a derradeira pérola do pensamento do ministro: aquele princípio da Constituição que nos tranquiliza assegurando que as leis de impostos não podem ser aplicadas para trás não é um princípio absoluto. Chama-se a isto, na linguagem dos juristas, “não retroactividade das leis fiscais”. Está, preto no branco, no texto da Constituição. Por mais que se bata à porta de mais e mais constitucionalistas (mesmo dos que são muito amigos deste governo, honra lhes seja prestada), a conclusão é sempre a mesma: não há como dar a volta à regra da Constituição. Contudo, os constitucionalistas não estavam a contar com a brilhante hermenêutica constitucional do professor de economia – perdão, do ministro das finanças – Teixeira dos Santos.
Na cabeça do ministro vai o seguinte raciocínio: estes são tempos de uma gravidade ímpar. A economia precisa da solidariedade dos contribuintes. Para o senhor ministro, todos, sem excepção, devíamos entender a gravidade do momento e abrir os cordões à bolsa sem tugir nem mugir. Toca a pagar mais impostos que a recuperação da economia pátria o exige. A exigência do momento até justifica que se atropelem as regras constitucionais. A Constituição impede a retroactividade das leis que aumentam os impostos? Não há problema. O criativo ministro (ou quem o aconselha) descobriu um furo que nunca alguém tinha detectado. Quando a gravidade do momento o exige, os “interesses nacionais” (parafraseando o ministro) sobrepõem-se à Constituição.
Lá na Faculdade onde o ministro ensinava economia, os alunos têm umas cadeiras de direito. Não quero jurar, pois não tenho a certeza do que vou dizer, mas tenho a impressão que numa das cadeiras os futuros economistas aprendiam uns rudimentos da Constituição. O que os meninos e as meninas aprendiam sobre a Constituição é agora desmentido pelo professor de economia que se esqueceu que o é e, no meio da desorientação que tomou conta do governo de que é titular da pasta das finanças, fez-se mais catedrático de direito constitucional que os seus colegas que sabem da poda.
Cheguei a um ponto que, perante as preciosidades vomitadas por membros do governo, já nem sei se fico preocupado ou se me limito a rir. Ou esta nova “doutrina constitucional” (por assim dizer) é um equívoco, porque o ministro escorregou para a asneira e estatelou-se ao comprido (os tais lapsus linguae que são – deviam ser – a morte do artista), e só nos temos que rir perante outra exibição de inépcia do governo mais lamentável desde que a democracia regressou; ou isto faz parte de uma manobra bem pensada, para semear remorsos nos politizados juízes do Tribunal Constitucional. E podemos esperar uma ginástica interpretativa com malabarismos hermenêuticos pelo meio, que no fim admite o que a Constituição não permite. Nesse caso, preparemo-nos para pagar mais impostos com efeitos para trás, sobre os rendimentos que recebemos quando as regras ainda eram diferentes.
Mas, nesse caso, a Constituição perde utilidade. Dizem os da ciência política que uma Constituição é sagrada porque é um contrato entre o Estado e os cidadãos. É garantística, isto é, estabelece os limites da intrusão do Estado na esfera particular. Se a doentia tese do ministro vingar, mais vale pegar na Constituição e amarfanhá-la no caixote do lixo. E, depois, falem-me de civilização, Estado de direito, república e de outras retóricas insufladas cheias de nada.

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