22.6.10

Publicidade negativa


In http://stylishcorpse.files.wordpress.com/2009/08/gun-to-head.jpg
Folheio um dos habituais jornais na Internet. Mal chamo a página ao ecrã aparece um gigantesco anúncio a uma marca de automóveis. A publicidade virtual não é novidade. As empresas perceberam que os sites que fornecem notícias são um viveiro promissor para a publicidade. Mas há uma regra de conduta: os anúncios que tapam as notícias que queremos ler têm, mais ou menos dissimulada, uma cruz que fecha a publicidade sem demora.
Durante três dias, o meu jornal favorito estava infectado (aquilo só podia ser um vírus) pela tal publicidade. Andava para cima e para baixo e da esquerda para a direita, mas não havia um sítio que permitisse o encerramento da maçadora publicidade. De cada vez que fazia clique numa notícia, lá aparecia o emplastro publicitário. Percorria o cursor para cima e para baixo e o emplastro publicitário acompanhava a deambulação, tapando a notícia. Demorava trinta-segundos-trinta a procissão publicitária ao mudar da secção “nacional” para a secção “mundo” ou para a secção “economia” e, dentro de cada secção, ao abrir uma notícia.
Vamos ao nome nos bois. O meu jornal favorito: Público. A empresa suicida: Renault. Parece que na linguagem técnica o emplastro de publicidade que me impacientava se chama banner. Era a um carro descapotável. A urticária que me consumia impediu que retivesse o nome do automóvel. Só me apercebi que se tratava de um descapotável. De cada vez que fazia clique numa secção do jornal ou numa notícia, lá aparecia a animação com a capota do maravilhoso automóvel a descer automaticamente. Se por acaso andasse a pensar em comprar um carro novo, havia um que de certeza não comprava: era aquele Renault descapotável.
Ou a inteligência se me escasseia, ou não entendo a inteligência de alguns publicitários. A este tipo de publicidade intrusiva, aos anúncios que se metem no ecrã do computador e manietam a nossa liberdade, impedidos que ficamos de a fechar no instante seguinte, chamo publicidade negativa. É a publicidade que consegue atingir o fim oposto ao que a publicidade se propõe. Ela procura aliciar o espectador a também ser cliente dos produtos anunciados. Ora a publicidade negativa tudo o que consegue é afastar os irritados destinatários dos produtos publicitados. É aquilo a que um amigo meu, noutro contexto, chama “espantar a caça”.
Já ouvi alguém dizer que o que importa não é fazer chegar uma mensagem atractiva. O que importa é que as empresas sejam faladas. Nem que seja pelos piores motivos. Às vezes, vale mais uma publicidade polémica pelo palco gratuito que ela consegue. É o propósito da publicidade agressiva, da publicidade que por vezes choca consciências. É que essa publicidade faz páginas de jornais. Entra gratuitamente nos jornais. Por outras palavras, o que interessa é que “falem de nós”. Que se dane se “falarem mal de nós”. Pior do que “falarem mal de nós” é sermos uma anónima empresa que ninguém conhece. Pode ser uma estratégia para entrar de graça onde a publicidade é muito cara. Só não percebo isto: quem compra o que é publicitado, os jornais ou os leitores dos jornais?
Regresso à irritante publicidade negativa da Renault: só se houvesse ali uma mensagem subliminar. Quando a modernidade apressada nos convence que o tempo é escasso, que tempo é dinheiro, isso não passa de um embuste. A Renault tratou de nos experimentar, testando a paciência aos limites. De que serve apressar o tempo, ler as notícias a uma velocidade estonteante porque um ror de tarefas já nos esperam na agenda mental? A Renault sabe-a toda. Agradeço o conselho. Mas o último carro que nesta altura comprava era aquele Renault descapotável.

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