8.6.10

“Vá para fora cá dentro” – presidencial versão de nacionalismo saloio


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Não perdoo sua excelência, o presidente da república. Não lhe perdoo por me pôr de acordo com a canga socialista. O episódio foi este: sua excelência, confundindo competências e mandando palpites sobre matéria que pertence ao governo (pois, já sabemos, o idílio da “cooperação estratégica” terminou há algum tempo), quis sensibilizar os pátrios cidadãos para fazerem férias sem passarem as fronteiras. No outro lado do mundo (Xangai), o ministro da economia finalmente acertou uma (e como me incomoda concordar com um socialista...): numa suave estocada de retórica, convocou as preces pátrias para que os outros líderes nacionais não se lembrem de desafiar o nacionalismo turístico dos concidadãos.
Cavaco é desastrado. Dizem que é muito bem aconselhado politicamente. Se ainda for o inefável Espada um dos seus conselheiros políticos, percebem-se os imensos tiros no pé de sua excelência. É estranho este lapso – como direi? – institucional. O senhor presidente trespassou competências do governo. É no governo que existe um secretário de Estado do turismo (que, para adensar as maravilhas do episódio, concordou com Cavaco e desmentiu o seu chefe, o ministro da economia!). Ou a aspiração inconfessável de Cavaco é ser secretário de Estado do turismo, ou fez de elefante em loja de porcelanas. Ele lembra lá ao diabo, em antevéspera de eleições presidenciais, meter as mãos pelos pés desta forma? Teimoso e em pose autoritária, reincidiu no disparate. Reagiu às declarações longínquas do ministro da economia. Foi quando puxou os galões de catedrático para abrilhantar a sua ideia com o argumento de autoridade académica.
Ainda bem que escorregou para professor universitário de economia. A abstrusa ideia pede umas pinceladas de economia política internacional – de que Cavaco devia ser conhecedor, a menos que a função presidencial tenha enfraquecido a memória. É dos manuais: quando um país ergue barreiras que impedem a entrada dos produtos exportados pelos outros, esse país não está sozinho no mundo e não pode contar com a ingenuidade (e a passividade) dos outros. Amor com amor se paga. Os países que forem atingidos vão retaliar. Na concorrência internacional, todos são “Chicos espertos”. Por isso é que o ministro da economia sacou do terço e começou a rezar para que os outros países não se lembrem de invocar o nacionalismo turístico dos concidadãos. Se isso acontecer, lá se vão as receitas de turismo – um dos poucos oásis que nos impede de cair em total desgraça. A inabilidade oratória de Cavaco é um facto consumado.
Por outro lado, tranquilizo-me ao descobrir, depois de reflectir no assunto, que não tenho que dar razão ao socialista ministro. A sua advertência só faria sentido se Cavaco fosse escutado no mundo inteiro. A irrelevância mundial é a nossa sorte. E a salvação de Cavaco e do turismo nacional. Em contrapartida, as agências de viagens devem estar em pânico depois de terem escutado o apelo muito patriótico do presidente. Se formos todos gente muito patriótica e preocupada com o gravíssimo problema da dívida externa (a maior da Europa, enfatizou sua excelência), ninguém irá de férias pondo o pé em território estrangeiro. As agências de viagens que estejam preparadas para prejuízos catastróficos. E os bancos, que financiam à tripa forra estas férias principescas aos que têm e aos que não têm onde cair mortos, também vão chorar algumas lágrimas. Menos crédito compõe a equação de menos lucros.
Cavaco há-de ficar na história como o presidente que ressuscitou o lema publicitário “vá para fora cá dentro”. Cavaco, o publicitário. Desde já proponho que ele se auto-condecore, no próximo 10 de Junho, com a ordem mais prestigiosa por inestimáveis serviços à pátria. Entretanto, pode ser que o ministro da economia o convide para secretário de Estado do turismo.

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