5.7.10

Fui à “manif”!


In http://www.nanosea2008.roma2.infn.it/gallery/piazza_navona001.jpg
Não devemos experimentar o que julgamos estar nos antípodas do que somos? Nem que seja por metódico alargamento da mundividência. Não se deve assegurar que de uma coisa não se gosta se com ela nunca se tomou contacto. Para me sossegar, acredito que todos devemos muito ao rol de experiências de vida que julgávamos impossíveis. Na sexta-feira à noite, em Roma, descontei uma no deve e haver.
Primeiro o contexto: uma “manif” é sinal de identidade das manifestações com muito folclore e palavras de ordem bem orquestradas onde as esquerdas, normalmente as extremas-esquerdas, protestam contra a situação. No fim do jantar de sexta-feira, depois de aturar o discurso do presidente da câmara de Roma e do ministro dos negócios estrangeiros italiano – que joga no clube de Berlusconi –, enquanto regressávamos a pé ao hotel no meio da canícula nocturna (28º e já eram dez da noite), alguém se lembrou que havia uma “manif” na Piazza Navona. Uma “manif” contra Berlusconi. O desvio não era grande. “E por que não?”, pensei para dentro.
Digo, no título do texto, que fui à “manif”. É um exagero. Estive lá quinze minutos. Só apanhei o restolho da “manif”. Um concerto de música clássica e o habitual aparato comercial. Sim, aparato comercial – quem diria? Ali vendem-se t-shirts com frases fortes, chamativas, que estimulam a militância de protesto. Noutras, o inevitável Che Guevara, ícone dos contestatários. Dez euros. Era quanto custavam as t-shirts. Os aduladores daquele folclore atiravam-se a mim se arejasse a possibilidade de as barracas de venda de t-shirts serem negócio puro. Podem até puxar da retórica, massajar a argumentação mais criativa, só para (se) convencerem que aquilo não é negócio; é abrir uma janela à identificação dos indefectíveis com os ícones e as palavras de ordem da praxe. Nem para os detractores do capitalismo os almoços são gratuitos.
Dizia atrás que só apanhei o restolho da “manif”. O circo prestes a ser desmontado. Quando os músicos terminaram a função, só houve umas palavras de agradecimento e de despedida da speaker. Tive pena de chegar atrasado à homilia. Quando tenho que ir a uma missa, a parte que mais cativa a atenção é a prédica do sacerdote. É rica em pensamentos que reforçam o ateísmo. Nas franjas políticas por onde campeiam os manifestantes da Piazza Navona, as verdades enquistadas são tão dogmáticas com as que vêm perfumadas com o bafio da sacristia, cujo equinócio estava situado do outro lado do rio, a dois passos.
Um dos convivas de caminhada para o hotel estava excitado com a “manif”. Outro vociferava contra Berlusconi. A febre foi temperada quando a húngara, lúcida, comentou um cartaz com elevado teor revolucionário: “coitados, eles nem sabem o que é o comunismo”. Os outros dois engoliram em seco. Não se demoveram. O circo estava montado. E, embora o palhaço da companhia não tivesse sido convidado (a não ser nos habituais apupos quando o seu nome é invocado), a matéria circense jorrava. Estava meio absorto com o cenário quando um deles começou a disparar os habituais impropérios a Berlusconi. A certa altura já ia na comparação com Mussolini, para concluir, incrédulo, como podem os ignaros italianos dar a maioria a tão funesto primeiro-ministro.
Estava na altura de fazer figura de desmancha-prazeres. Juntei-me aos dois e comecei por concordar com a imbecil figura de Berlusconi. A concordância terminou por aí. Com a seguinte provocação: se Berlusconi existe, e Berlusconi persiste em regressar, é às autofágicas esquerdas italianas que o fenómeno se deve. Ainda agora estou para saber o significado do silêncio que se seguiu.
Gostei de ir ao folclore. Teve a seguinte serventia: se os promotores da “manif” chegassem sozinhos ao poder, haveria espaço para eventos do género promovidos por gente de orientação contrária? Ironicamente, no palco estava um cartaz com palavras de ordem denunciando o muro de silêncio. Usava uma venda colocada à força na boca de alguém. Ah, como às vezes somos atraiçoados. Na crítica aos outros dissimulam-se as próprias intenções.   

1 comentário:

Anónimo disse...

Saudações do Brasil!

Muito interessante seu blog, caro José.

Realmente a situação anda feia no mundo, a esquerda e a direita se confundem e suas diferenças aparecem apenas como minucias ao ponto de quase se tornarem pessoais.

Aqui no Brasil estamos em tempos de eleição, os críticos de jornais só faltam chamar o José Serra de vampiro e a candidata Dilma de terrorista.

Programaticamente até há diferença entre PT e PSDB, mas na prática não muda muito (veja este site de, analisa melhor: http://www.movimentonn.org/jornal/noticia/editorial/2216 ). Estas eleições estão complicadas, acredito que votarei nulo.

Bom, parabens pelo blog

Saudações

Alisson