16.8.10

E se acabassem com as universidades?


In http://arre-burro.weblog.com.pt/arquivo/burro%20com%20livros.jpg
A revista Pública de ontem trazia uma reportagem de fundo com uma mão cheia de exemplos de self-made-man que vingaram na vida sem terem estudos universitários. Quem não se enternece com as excepções da vida, os exemplos que dedilham as cordas do lirismo e nos mostram como é possível chegar ao ambicionado sucesso remando contra todas as marés? Quem não verte uma lágrima furtiva naquele filmes xaroposos que narram historietas de encantar, os contos de fadas em versão hodierna?
O raciocínio que se segue pode soar a corporativismo, pois hão-de julgar que estou a defender a minha dama (e, eventualmente, o ganha-pão). Prometo um esforço de transcendência num assunto que me interessa tão de perto, mas fica à partida o registo de interesses que, admito, pode prejudicar a imparcialidade.
Para início de conversa, também aplaudo as pessoas que conseguiram vencer na vida sem terem queimado as pestanas e aturado uns maçadores professores nos bancos da universidade. Como não custa admitir que um título universitário não é condição para vingar no que quer que seja – serviço público, conselho de administração de uma famosa empresa, ou mesmo propriedade de uma empresa que atinge uma macro dimensão. Os estudos universitários são uma ferramenta, não uma garantia. Como também não são – e muito menos o são – uma condição sine qua non para o estrelato. Para terminar os intróitos de contextualização, nada contra as reportagens da imprensa que romantizam estas excepções, atirando para os olhos dos iludidos mais pétalas de ilusão.
O que parece não bater certo é um dos modismos dos modernos “pedagogos” ao serviço do governo e os self-made-man retratados com tanto embevecimento. Desde há alguns anos vingou uma versão adaptada das “novas oportunidades” às universidades, conhecida como “mais de vinte e três”. O apogeu da democratização do acesso à universidade. Para quem tem mais de vinte e três anos e dois anos de experiência profissional, as portas da universidade ficam escancaradas. Não é preciso ter chegado ao décimo segundo ano.
Com este demagógico programa de democratização da universidade a mensagem enviada é a seguinte: se algum dia ambicionou ter um canudo, mas vicissitudes diversas o obrigaram a deixar pelo caminho os estudos, agora é todo um mar de facilidades. Vamos todos ser doutores e engenheiros. Só que depois lemos a lírica reportagem na Pública e perguntamos se a democratização do acesso à universidade não passa de um engodo. Assim como assim, ele há um punhado de self-made-man que subiram na vida e não precisaram de andar a perder tempo na universidade.
A reportagem na Pública não bate certo com a demagogia dos “pedagogos” que inventaram a democratização das universidades. E também não bate certo com a (inútil) competição europeia pelas estatísticas que tabela o rácio de estudantes universitários por habitante e assegura que quanto maior for o rácio mais avançado é o país. Mas a maior das contradições diz respeito a duas marés opostas entre os “pensadores” da educação. De um lado, incentivam todo e qualquer cidadão a tirar um curso superior e, do outro lado, patrocinam a mediocridade nas escolas secundárias quando congeminam planos para liquidar as reprovações. De um lado, fingem que promovem a excelência (e digo fingem porque o programa “mais de vinte e três” não passa de lenha para a fogueira das vaidades estatísticas). Mas do outro lado, estimulam a mediocridade.
Desconfio que percebi onde querem chegar estas luminárias das “ciências da educação”: um dia destes, vão estender a impossibilidade de reprovações às universidades. Só que, nessa altura, quando o elogio da mediocridade estiver definitivamente instalado em todo o sistema educativo, como se explicam os notáveis exemplos de self-made-man às criancinhas e às já nada criancinhas que vão tardiamente para a universidade?

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