19.8.10

Para a caderneta dos cromos


In http://estb.msn.com/i/A4/A062A832F123A8F2D76997B1F6249.jpg
Que me seja permitido este laivo de humor negro: os incêndios têm a serventia de nos dar a conhecer essa (em linguagem sampaísta) incontornável figura da república – o ministro Rui Pereira. É óbvio que lamento toda a área ardida. É pungente, como ontem dei conta numa viagem pelo Minho, que as árvores calcinadas tenham tomado conta da paisagem, a própria terra onde elas assentam assustadoramente encardida. Mas são um regalo para a vista as aparições do ministro das polícias que, nesta época estival, se transforma no ministro dos incêndios – bem entendido, no ministro do combate aos fogos.
Na minha caderneta de cromos, o ministro Pereira é o cromo dos cromos. De tal maneira que ando a pensar em espalhar uma petição internética que garanta, no adivinhado ocaso da malta socialista, que o ministro Pereira transite para o próximo governo do PSD (ou do PSD-CDS, ou de iniciativa presidencial, ou lá o que for, desde que seja diferente do que há). O homem devia ter lugar vitalício no governo. É um sossego vê-lo no “teatro das operações”, sempre impecavelmente engravatado no meio da chuva de cinzas soprada pela brisa cálida que transporta aquele insuportável odor a queimado. Se eu fosse bombeiro, só de ver o ministro falar, mesmo quando aproveita para fazer propaganda que adorna a imagem do governo, bebia naquelas sábias e sóbrias palavras o lenitivo para não dar tréguas aos teimosos fogos que devastam a floresta.
Para além disso, o ministro Pereira tem um verbo – como dizer? – letrado. Pode não falar para o comum dos mortais, pois ao falar parece que está a redigir uma lei, naquele “juridiquês” tão típico que nem os juristas, a páginas tantas, conseguem entender o arrevesado “juridiquês” que sai das suas penas. Já não é deste tempo, em que a língua escrita e sobretudo falada é tão mal tratada, termos o deleite de ver alguém a falar de improviso com tanta eloquência. O mal não é do ministro Pereira. É das escolas que não conseguem treinar os cidadãos para o uso polido da língua. Ou dos cidadãos que são fraca gesta.
Contudo, o ministro Pereira não dá o flanco e, nos seus soporíferos discursos à frente das câmaras de televisão, fala para o doutor e para o “desintelectual”. Um dia destes explicava na rádio os infaustos acontecimentos, debitando estatísticas que mostravam como nos dois últimos meses de incêndios ardeu mais do que nos três anos anteriores. E tal como o seu supremo chefe atira as culpas da austeridade para a danada crise internacional que é um polvo que de tudo se apodera, o ministro Pereira advertia que a orografia não ajuda a travar o combate aos incêndios. (Podemos ser uma terra pequenina, mas temos uma orografia acidentada que é pasto para o fogo caminhar até onde possam estar os bombeiros). Tomando consciência que muita gente não sabe o significado de “orografia”, o ministro Pereira meteu uma vírgula à frente de orografia para explicar aos incautos que aquilo quer dizer “as condições do terreno”.
O ministro Pereira é daquele escol que nasceu para ser servidor do Estado. Não conheço ninguém que tenha tanta pose de estadista. Transpira estadismo. Tenho a impressão que até nos momentos mais íntimos com a consorte não deve conseguir despir a casaca de estadista. Será que o ministro Pereira trata alguém por tu? Por isso é que sugeria lá atrás que devia correr uma petição para que a Constituição (agora que tanto se discutem as desejadas mudanças no texto) incorporasse uma norma com a vitalícia condição de ministro para o ministro Pereira. Ministro do que quer que seja, pois a sua versatilidade presta-se à ocupação de todas as pastas.
O seu bilhete de identidade devia mudar. No campo destinado ao nome, “Ministro” devia preceder “Rui”.

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