8.11.10

Plus ça change, plus çá c’est la même chose


In http://singrandohorizontes.files.wordpress.com/2009/12/campo_de_flores.jpg
Ao início, um homem encantador. Procuram à lupa pelos defeitos e só a custo lhes encontram a guarida. A inteligência trata de semear o encantamento. E depois há a figura bem composta que acompanha o orgulho delas quando te mostram às amigas, como se fosses um bonequinho de porcelana que se mostra só para elas (as amigas) cultivarem a sadia inveja. Ao que é dado a ver, és um manancial de generosidade. Ao início – que se repita com clareza, ao início – serves como mostruário.
Os planos confundem-se. Entre o objecto e o sujeito. Talvez os abundantes pergaminhos que as seduzem sejam um embuste. Ou porque elas se enfeitiçam pela figura tão bem composta. Ou porque tratas de simular alguém que não és quando, por fim, a poeira repousa no lugar e a monotonia é o leito em que se liquefaz a indiferença. O entusiasmo desmaia. Tu voltas ao que és, já sem a erupção de emoções que altera a lucidez dos iniciais momentos. Já não há inteligência que valha, nem as palavras que entoas têm o encanto de outrora. Até a figura bem composta se dissolve no seu declínio: as rugas, os cabelos grisalhos, os olhos cansados.
Mas, ao início, tu eras um enorme campo onde todas as flores eram garridas, uma melodia de aromas extasiantes. Em ti tudo pedia água. Era quando as palavras tinham magia, os olhos saciavam o desejo, a presença era um conforto. Eras um ombro onde apetecia repousar. E enquanto foste o belo exemplar que se ostentava às demais com o garbo próprio de quem havia encontrado um achado, servias os propósitos da auto-estima alheia. Eras uma imagem, apenas.
Ao menos, eras alguma coisa. Às vezes, todavia, já não sabias se eras uma inteligência ou apenas uma imagem orgulhosamente ostentada. Os dois predicados tinham ocasiões diferentes. Ora eras a inteligência que encantava, ora a figura bem composta que era passeada em acto de orgulho alheio, como aqueles novos-ricos que mostram nas ruas, de nariz empinado, o dispendioso bólide sem saberem como aproveitar a cavalariça que se esconde no motor.
Mas que isso não te faça ir às trevas. Assim como assim, fazem constar que tens outros atributos – como dizê-lo? – que aprazem a volúpia. As pessoas são como são. Não se forjam, pelo cinzel de um escultor imaginário, ao que acham que gostariam de ser. Sabes? Cumprimos desígnios. Os feitios, que são inatos e não se adulteram sob pena de sermos o que não somos, inscrevem a sua própria rota no formulário dos desígnios.
Podes fazer das tripas coração para mostrares um encantamento que é apenas um solfejo que se esgota quando a monotonia ganha o seu lugar. Depois sobra apenas o que há em ti. Será pouco. Pouco para quem ambiciona a estabilidade, deter-se numa companhia para a velhice. Mas isso é uma hipocrisia. É deixares de ser tu apenas com o propósito de esconderes de ti a solidão que te asseguram ser dilacerante. A pior das feridas é aquela, purulenta, que resiste à cicatriz. Essas feridas suplantam a determinação, audaciosa mas falsária, de manter uma companhia que antecipa a idade em que somos gerontes.
Eis a lição que recolhes: aproveita os dons que há em ti. Aproveita-os, ainda que seja uma efémera imagem. O que levamos desta vida é um amontoado de efémeras coisas.
(Funchal)

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